sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Apresentação | Hino Oficial JMJ Lisboa 2023

RTSF 2020 Rock That Swing Ball (Saturday) – Rockabilly Jive / Boogie Woo...

 

 

 

                                  CAPITU

 





 

 Capitu tem olhos de ressaca, sinal de que um mistério envolve a namorada e futura esposa de Bentinho. Machado de Assis também é misterioso, não oferece condições para o leitor descobrir  quem a personagem ama, deixa de amar, ou se não ama ninguém. Fica a dúvida, quando não há mistério algum em amar e ser amado, basta seguir os ditames da natureza, e encontrar a pessoa certa para amar. Mas já no início da trama há um muro, que Capitu esburaca. Muros são difíceis de escalar, e se tiver um portão, não saber da chave. Capitu quer ver o que há por trás daquele muro, ou simplesmente se libertar. Prenúncio do final da história, quando ela vai para a Suíça, e fica longe de Bentinho, de Escobar, da família, da sua terra natal. Por que esse específico país? A curiosa personagem teria ido ao encontro da ciência de  Jung, residente no progressista país europeu. Pobre Capitu, dona de uma estranha vontade, e acaba por encontrar a morte longe do Brasil e das pessoas que amavam seu olhar, seu mistério.

 Em vez de caçar caranguejo no nordeste, onde nasceu, ou pescar nas águas do Paranoá, em Brasília, sua atual residência, aos oitenta anos de idade, Aline tem uma curiosidade que lembra Capitu. Mas diferente da personagem machadiana é afeita em tapar buracos no muro, ou então abrir portas, tudo isso através da internet, escrevendo no seu Blog. Mas qual muro? Tem o Muro das Lamentações em Jerusalém, e tantos outros muros. O trabalho é árduo. Tempo de pandemia, as pessoas  separada para não morrer antes do tempo. Os hospitais em todo o país sem condição de atender a demanda, a espera da vacina, e que seja suficiente pata todos. Além da corrupção, que não dá trégua,  é detectado o desvio do dinheiro para o oxigênio, as máscaras, e tudo o mais necessário para tratar os doentes atacados do covid19. Aline não vê a hora de festejar o fim desse tão tenebroso momento. Que os doentes sarem e o vírus suma do seu meio, assim como a corrupção, pandêmica no país. 

Esperança maior é que o Brasil possa contar uma outra história. 


 


 


quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

IL VOLO - Battiti live 2019 Vieste - « A chi mi dice » & «Grande amore »

 

 


 

 

 

Texto inspirado em Jane Austen

 

                              A CASAMENTEIRA

 


 

No romance Emma, de Jane Austen, o Sr Woodhouse, faz a seguinte advertência a sua filha:

— Espero que você não tente mais casar ninguém, nem faça previsões porque tudo que diz sempre acontece. Por favor, não tente mais unir ninguém.

Emma acabara de ter sucesso com um casamento planejado por ela,  orgulhosa do feito, mas sentia a partida da governanta que era uma segunda mãe para ela. Aos vinte e três anos não pensava em se casar, agora morava sozinha com o pai e tinha a casa de Hartfield para cuidar. Perdera a mãe muito cedo, as mães grandes casamenteiras, e quase sempre boas conselheiras, responsáveis pelo sucesso de suas filhas. Emma queria ser mãe para a linda Harriet, abrigada numa casa para jovens carentes, que levou com ela para lhe fazer companhia. Uma pupila obediente, ”valiosa contribuição para seus caprichos”, induzindo-a na escolha de um marido. Quer que ela case com alguém que a faça ascender socialmente. Começa por induzir a moça a recusar o pedido de casamento do Sr. Robert Martin, e lhe diz: “As pessoas se apaixonam e desapaixonam com facilidade.” Sem perceber que a inteligente Harriet já havia feito sua escolha, dentro da sua realidade cultural e social.

A austera Jane Austen, uma casamenteira, que forja os casais mais “compatíveis” da ficção, mas o que quer mesmo é dizer que cada um tem o que merece. Frank Churchill, por exemplo, um grande interesseiro, a autora arruma situações para ele vir a casar com a pessoa certa, pronto. O pastor Sr. Elton é o primeiro escolhido de Emma para casar com Harriet, que ele despreza, em escuso interesse por Emma, e acaba por casar de acordo com o seu gosto, babando pela fofoqueira, que inferniza a vida de todo mundo, inclusive a do marido babão. O Sr. Knightley é vizinho de Emma, e em visita constantes a sua casa, com intenção de conquista seu confuso coração, atento para evitar possíveis danos, que ela possa causar a si mesmo e aos demais, já que ela tinha poder de persuasão no seu núcleo social e familiar. Depois de algumas reviravoltas na trama Emma casa-se com o sr. Knightley, como era de prever que acontecesse, o mérito pendendo para o noivo. Harriet aceita o segundo pedido do Sr. Martin, que ela havia escolhido antes da descabida interferência de Emma.

Até meados do século passado existiam as chamadas casamenteiras, sem outra pretensão a não ser ajudar as pessoas a encontrar seu par, com vistas ao casamento, união para a vida toda. Aproveito então para contar uma história da vida real. Dalva lastimava alguns casamentos na família, mas sempre na torcida pelo sucesso matrimonial das pessoas que conhecia, descobrindo as compatíveis para casar. Uma casamenteira deve ter o dom de  intuir e o caráter para discernir, o caso de Dalva, uma boa pessoa, que desejava o melhor não só para si, mas para as outros. Em especial, não querer acertar na loteria do casamento, ter na mão o palpite de sorte, mas evitar equívocos. Dalva salva o único irmão de uma união inconveniente. Consequentemente, seria responsável por ele ter realizado posteriormente um ótimo casamento, o que em parte se devia a sua interferência. Conquanto a escolha seja esforço pessoal, mérito de cada um. Dalva ouviu do irmão:

— Minha querida, saiba o quanto sou grato por sua amizade, mas sobre o casamento acredito que o bom mesmo  é ter liberdade para escolher seu par, o que não exclui a ajuda de alguém. Mas para dar certo os interessados devem ter merecimento na escolha.

A irmã estava de acordo:

— Certo que sem esforço não há sucesso nesse sentido, nem em outro qualquer. Melhor não fazer nada do que agir intempestivamente, lema que serve para as casamenteiras, também cabe aos apaixonados.

 

 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

 

 

CONTO

 

                          

                         

                                  ENCONTRO


 





          Alguns anos sem se verem, naquela tarde de primavera Leonor fazia compras no comércio da 308, como boa fisionomista, reconheceu Alice de longe. De imediato lembrou da antiga hóspede de sua mãe, bem jovem, a se gabar da memória de elefante. Já Rosinha, colega de classe, se destacava como poeta, uma das promessas da turma. Enquanto Leonor pensava, uma senhora de bengala aproxima-se, resmungando que a “distraída” não a tinha reconhecido. Falou às gargalhadas:

— Aposto que não me reconheceste. Quanto tempo, Leonor, e não mudaste quase nada. Vem cá me contar como tu estás. Vamos sentar naquele banco, ótima hora, o sol começa a se pôr. Estou sempre aqui, moro no prédio "E" da Quadra ao lado.

Leonor já esperava a abordagem, e havia verificado, que Alice pouco mudara. Ia testar sua memória, se continuava a mesma, e parece que sim.  Aceitou o convite:

— Vamos lá, Alice querida, quero também saber de ti.

Já instaladas, o local privilegiado, numa Super Quadra modelo de Brasília, a beleza do jardim, obra do famoso paisagista Burle Mark.  A conversa deu início com Alice exibindo sua memória, lógico:

— Tua mãe uma grande amiga da minha, quando seu Antenor foi trabalhar um tempo em Coroatá. Cheguei  em S. Luís para cursar faculdade, e não esperava casar-me tão cedo, mas antes do vestibular uma paixão antiga aflorou. Ele veio do interior me buscar. Casamos, e desde a inauguração de Brasília moramos aqui.

Leonor não era tão esquecida, tinha uma memória seletiva. Ia provar isso:

— Lembro bem de ti em preparativos para o casamento, que ia acontecer em um mês. Não recordo é da cerimônia, certamente ocorrida na tua Coroatá. Nunca mais nos vimos. O que importa é saber que tudo deu certo. E não esqueço da tua memória privilegiada, nem da tua invejável sabedoria.

—Meu casamento com Antônio durou mais de cinco décadas de felicidade, estou viúva há pouco mais de um ano. Tive um bom marido, como sei que és feliz com Antenor. Meus cinco filhos os tive na cidade em que nasci, e de lá viemos para  a capital federal. Hoje percebo a inutilidade de ter uma mente tipo esponja. Tantas informações confundem, ainda mais hoje, com os veículos de informação jogando tudo no cérebro das pessoas. E esse nosso Brasil como avançou, nem sempre no bom sentido, a corrupção uma pandemia igual ao vírus que nos persegue, como uma praga, e sem vacina que o remova.

Leonor também questiona:

— O Brasil de riquezas mil, pátria de uma gente “distinta”, como se dizia na nossa época sobre as pessoas respeitosas e dignas de respeito. E eu me credencio a ser essa pessoa com distinção, ou seja, que respeita o dom e saber de todos, que fazem a diferença. E sinto que pertenço mais ao antigo Brasil, do que ao Brasil de agora.

Alice retoma a palavra:

— País afadigado das estripulias, não minhas, nem tuas, mas da história do próprio  país, colonizado, que escravizou os negros, tomou a terra dos índios, e por aí vai. Tudo com o beneplácito das religiões. Hoje estamos nessa encruzilhada. Nós aqui, Leonor, acreditando que ainda possamos viver outra história, longe dessas ideologias tenebrosas,  que hoje nos ameaçam. Os erros, que permeia o mundo todo, reincidente, pecador contumaz. A balança que nunca está no prumo, agora pende para  a poderosa China.

—Alice, estamos à mercê de governos com vocação para o domínio, como o da China comunista. Exportamos soja para matar a fome de um bilhão e meio de chineses, e imploramos quase de joelho os insumos para a fabricação da vacina contra o covi19, justamente de onde saiu o vírus. É ver para crer no que vai acontecer, quando eu e você já não estivermos mais aqui, coisa para nossos filhos e netos. Já estais com bisnetos,é certo?

— Disseste tudo, minha querida Leonor. A conversa está boa, mas a noite caiu e temos que retornar ao lar. O bisnetinho, Jomar, é a alegria da avó coruja.

Despedem-se, prometendo novos encontros. O próximo seria na quadra 114 de Leonor.

 

  

 

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Анастасия Тюрина И.Штраус Полька "Трик-Трак"

 

 

miniconto

 

                       MÃE É MÃE!

 

 

O retrato de formatura da filha foi pendurado na parede da sala, onde esteve por alguns anos, entronizada. Completar o curso médio era um grande feito na época, quando as meninas não seguiam adiante com os estudos, paravam para casar ainda muito jovens. Mas com Eleonora e outras pioneiras, foi um pouco diferente, fez o científico, o que para a mulher equivalia ao curso superior. Entrou para a faculdade, sendo escolhida para falar na abertura solene das aulas na Escola de Serviço Social das irmãs Redentoristas. Pio XII tinha falecido naquele ano, o assunto tratado por Eleonora na sua apresentação.

A filha de dona Carmem ainda com aquele sonho das mulheres da sua geração, de  casar para cuidar do marido e dos filhos. Eleonora casou, disposta a procriar uma ninhada, o que  deixou dona sua mãe apenas conformada, e disposta a acompanhar o casal, que foi morar em outra cidade. Não pedia notícias, mas com bela letra escrevia longas cartas, contando o que se passava na família, na cidade, no trabalho, até mesmo o que fofocava com as amigas. Pensava na filha estudiosa, todo tempo dentro de casa, mas não deixaria que ficasse alheia ao mundo lá fora, como via acontecer com outras jovens mães de família. Era o motivo das cartas, além de matar a saudade, contou-lhe  a mãe tempos depois. Cuidava que Eleonora soubesse o que acontecia fora da casa, lesse nem que fosse apenas suas cartas, mas leitora, sem esquecer que a filha que fosse uma boa dona de casa, daí as receitas ao pé das páginas.

A TV ainda era peça rara nas casas, o telefone coisa de rico, as cartas como única forma da comunicação, e nem se falava em Internet. Os veículos de comunicação que haveriam de se tornar febre, de grande utilidade, mas por onde passou a entrar de tudo nas casas, às vezes "panfletagem" da pior qualidade. Eleonora lembra uma ocasião, já com os três filhos pequenos, quando foi visitar uma parenta em outra cidade. Sentiu-se estranha, mal conseguia se expressar, a inteligência embotada. O que havia acontecido, seria uma burra, enquanto a outra dava a ideia de lhe querer fornecer uma tal carteirinha. As cartas da mãe não bastavam, precisava de escola e livros para estudar, resolveu reagir. Não podia ficar daquela forma, uma criança entre crianças, e o que os filhos precisam é de uma mãe inteligente ao seu lado, como sua genial mãe. Voltou a estudar, e foi mais além, fez um concurso, classificada em um dos primeiros lugares.

  

REVELANDO VERMEER

 


            

O quadro de Vermeer Mulher lendo uma Carta á Janela a figura feminina está em local reservado, lendo algo escrito em papel amassado, que seria um panfleto, que andou de mão em mão, quando já se imprimiam livros, início da mentalidade moderna, científica. A comunicação rápida, mas pouco eficiente, sobre  assuntos de interesse pessoal, também de natureza transcendental e de propaganda. A janela do recinto não está apenas aberta, mas escancarada, sinal de liberdade para a mulher, quando há  o perigo do que possa entrar no local, ou na cabeça da leitora... As janelas nos quadros de Vermeer são visíveis, ou invisíveis. Janelas abertas para o que der e vier; meio abertas por prudência; fechadas por receio, ou medo. A metáfora da janela, pode significar liberdade, ou busca, nem sempre boas para a mulher, sua individualidade, que tem o duplo refletido na vidraça, espectro, fantasma. Uma irracionalidade, que provoca na vidraça a imagem fantasmagórica da leitora. O que vem à tona numa pessoa em que falta a ética de uma fé verdadeira.

No medieval a burguesia, ao desenvolve a consciência individual, fica à beira da descrença, quando então achou por bem cuidar do corpo e do fruto desse corpo, ou seja, a alma - um capital, uma herança pós-morte para essa classe.  Segundo a pesquisadora Juliana Schmitt, foi o primeiro passo para a crença utilitarista, que tem o morto como produto, como outro qualquer a ser utilizado, consumido.   Atente-se ainda para a metamorfose que a pessoa sofre, por medo e angústia, uma assombração, processo natural, que se move em direção à entropia e à decadência. No mito de Pandora, o ser curioso e imaturo, não tendo critérios, nem meta a seguir, recua à irracionalidade, libera antigos males.  A mulher com seu rosto refletido na vidraça, sinal de que lhe pesa  a consciência pelos males que cercam, a própria condição humana e a civilização, tênue a fronteira entre o passado, o presente e o futuro, entre a vida e a morte; os mortos no medieval até mais poderosos que os vivos. Foi o que aconteceu no século XIX com os vanguardistas, apelidados de poetas malditos, que Claudio Willer no seu livro “Obscuro Encanto”, considera uma retomada ao que há de mais arcaico, próprio dos cultos e mitologias das sociedades tribais, que se alia à cultura estética e do artificialismo.

A mensagem embutida na pintura de Vermeer é que entre uma vida irresponsável, altamente repressora ou libertária em demasia, escolher viver em paz e prosperidade, como prega a fé renovada adotada pela recém-criada República holandesa. A vida espiritual alicerçada na ética, na lógica, na metafísica, os frutos  necessários para o sustento da vida espiritual, como os frutos naturais e sadios alimentam a vida física. Diferente dos frutos podres da bacia ao lado da mulher, que representa a degeneração dos costumes, o desgaste espiritual e mental. Na vidraça a visage (rosto em francês) de uma mente  jovem, ambígua, que deve amadurecer no entendimento para saber que nem tudo que transmitem é bom,  ainda mais por meios escusos, sem crédito algum. No quadro a jovem mulher lê algo que entristece sua alma, empobrece seu espírito, até mesmo notícia de uma falência. A exploração, a superstição, a pobresa, o que denuncia o pintor alicerçado na ética protestante, que seria analisada por Max Weber, ou seja, a liberdade e o fator econômico, o que não significa massificação, materialismo, uma sociedade espiritualmente sadia, e não supersticiosa. No futuro surgiria o  materialismo histórico de Karl Marx, que se decompôs na história. Também o espiritualismo de Nietzsche, inspirador do fruto podre do nazismo. Dois “filósofos da liberação”: o primeiro, filósofo da coletividade, o segundo da individualidade levada ao extremo. Ao individual e ao coletivo a sociedade moderna, democrática, impõe limites.