domingo, 11 de setembro de 2016






         

         
             MANSFIELD PARK  E O TERRORISMO





        O terceiro romance de Jane Austen, de 1814, tem como cenário uma propriedade de Northamptonshire, e acontece como um conto de fadas. Eram três irmãs Ward: Maria, que adota o título de Lady Bertram ao se casar com Sir Thomas, dono de Mansfield Park; a Sra. Price, mãe de Fanny a protagonista da história; e a  Sra. Norris, casada com o reverendo local. O casamento uma espécie de adoções da mulher pelo homem, o status advindo dessa união, numa época em que a função primordial da mulher era conquistar um “bom partido”, o que nem todas as belas e prendadas mulheres conseguiam, o número delas insuficiente. As feias acabavam por escapar das garras de um marido ruim. A sorte dependendo de certos arranjos, e Lady Bertram se dá bem, o que não acontece com sua irmã, que está em dificuldades, e sua filha vai para a adoção. De pronto a Sra. Norris recusa receber a sobrinha, que vai para o lar de Lady Bertram. Fanny Price troca, pois, a decadente Portsmouth por novo lar, que não é um paraíso, mas onde pode aspirar a melhor futuro. As mudanças que ocorrem a qualquer um, com obstáculos a enfrentar, sem dia e hora para acontecerem, o perigo de cair em desgraça.
        
        Jane Austen tem como exemplo a adoção do irmão pelos Knights, mas a pessoa adotada no seu romance é uma mulher, sem direito a nada, diferente de Eduard Austen, herdeiro dos pais adotivos. A Sra. Price chega a estranhar que Lady Bertram tenha escolhido uma filha e não um filho para adotar, as mulheres pouco valorizadas. Detecta-se a falta de instinto materno na Sra. Norris, também em Lady Bertram. Intrigante que a realização da mulher estivesse exclusivamente por conta do matrimônio e maternidade, quando tal instinto nem existiria, segundo as feministas. Mas o romance de Austen anuncia a moral vitoriana, uma cultura de respeito humano, em que a solidariedade são valorizados, e que não se perca o sentido da vida. E nos perguntamos, qual o bem de uma mãe de família  omissa e irracional, como Lady Bertram? E que respeito tem uma esposa  racional e maldosa de um clérigo, como Sra. Norris, que julga as pessoas por sua origem?
         
          Fanny é a personagem principal de uma fantasia literária, cujo feminismo é  calmo, moralista, a uma distância considerável das feministas do século XX, que podem ser herdeiras do feminismo das outras personagens da história de Jane Austen.  Maria e Júlia, irmãs de Edmund e Tom, filhos do dos donos da casa, são ativas e barulhentas, causando estranheza na recém-chegada. E o quanto faz barulho a instável Mary, irmã de Henry, os intruso no paraíso. É como se essas personagens dissessem: precisamos aumentar o barulho e andar mais depressa. São anti-heroínas, conquanto mais simpáticas aos leitores que Fanny, a heroína da história. São Tomé duvidou da fé dos apóstolos fundadores da religião dos primeiros tempos. O protestantismo viria dessa linhagem, a qual acredito pertença Sir Thomas, o senhor de Mansfield. Mas a criação intelectual de Austen não é de cunho religioso, mas crítica e intransigente. A difusão laica da moral através de uma obra literária, que transmite aos leitores os preceitos éticos do protestantismo, responsável pela formação da caráter inglês, assim como a fé professada. A arte de escrever como meio de expressão e instrução, afinal foi Lutero quem primeiro traduziu a Bíblia para o dialeto local e imprimiu o texto sagrado. A liberdade de  expressão  inaugurada através desse feito heroico. Fanny pensa como a autora, que a certa altura se parece com a maldosa mulher do pastor, a Sra. Norris, sua tia e inimiga, até mesmo como Mary Crawford.
       
            Portsmounth é o paraíso definitivamente perdido de Fanny, pela tragédia que nele se instalou. Uma tragédia pessoal, assim como existe a tragédia coletiva das divergências religiosas que resultam em guerras. Mas Mansfield não é também um paraíso, Fanny entra choque com as fúteis Julia e Maria, que só pensam em aparecer. Também não tem afinidade com Mary Crawford, que fala mal dos seus antigos pais adotivos. O pior pecado é a ingratidão para Fanny. No antigo lar Fanny tinha ainda duas irmãs, Betsy e Susan, que brigavam por qualquer coisa, e chegam a disputar uma faca, um mundo meio selvagem, o feminismo idem. Os jovens são apresentados como os pares  bíblicos: Maria e Julia; Eduard e Tom, filhos dos donos do paradisíaco Mansfield Park, mas que não são como Caim e Abel, nem Esaú e Jacó, irmãos que traem e matam, inimigos. A rica e civilizada Mansfield promove a união entre aqueles que frequentam a nobre residência. Mas quão frágeis são a educação e a civilidade daquelas pessoas. E com pouca civilidade agem também os irmãos Crowfords, Henry e Mary, fazendo o jogo do amor que dilacera corações. Henry é um personagem shakespeariano, que flerta ao mesmo tempo com Júlia e Maria, a exemplo de Henrique VIII que seduziu duas irmãs Maria e Ana Bolena. Já a teimosa Mary (a católica Mary Stuart) recebe a afeição de Edmund, herdeiro de Mansfield, mas que não lhe dá o devido valor, abrindo espaço para  Fanny. Jane Austen fantasia a realidade política e religiosa da Inglaterra à época.  Acredita a autora no poder da literatura, da arte laica, mas seu olhar é nitidamente moralista e religioso.
     
         Em Mansfield, formam-se e desfazem-se os pares, por conta dos caracteres de cada personagem envolvido. Edmund, herdeiro de Sir Thomas, a princípio, escolhe Mary como esposa, com o intuito de convertê-la. Mas a paixão romântica, fantasia teutônica de Henry por Maria, já casada, atitude apoiada por Mary, que então perde o valor diante de Edmund. Falta consciência moral em Mary, como em Maria, duas pecadora como Maria Madalena, representantes do catolicismo romano? A heroína do romance poderia ser Mary, mas ela se torna a vilã. E quem recebe o título é a virtuosa Fanny, que no final vai ficar com Edmund a quem desde o início quis conquistar, e já havia rejeitado Henry, antes da fuga com Maria. Fanny é grata, altruísta, bondosa, correta, como deve ser uma verdadeira alma cristã. Para os atuais leitores de Jane Austen a protagonista desse romance é uma chata, mas ela pensa de acordo com a autora, na sua fantasia literária, sendo filha de um pastor da igreja anglicana.
      
         O protestantismo sendo mais austero que o catolicismo, o que seria uma contradição. O alcoolismo do marido da Sra. Price, assim como o adultério de Maria Bertram, e ainda a falta de caráter da condescendente Mary, seria para a autora falhas morais graves na família e na sociedade, culpa do modo de ser católico, compassivo e supersticioso. Além de suas virtudes pessoais, Fanny, a heroína da história de Austen é uma felizarda por ter William como irmão, digno de respeito e admiração, seu pai substituto. Igual a Mary, com seu irmão, Henry, que não é, todavia, uma boa pessoa, o que contribui para a diferença entre as duas. Na falta de um pai, ou poder superior confiável, é importante haver quem o substitua, na vida real, como na imaginação. O nome William remete a William Shakespeare, crítico da corte elizabetana, de quem Austen seria leitora assídua, de seu aprendizado literário. Henry, a Henrique XVIII, um personagem shakespeariano, que flerta ao mesmo tempo com Júlia e Maria, a exemplo do tirano inglês que seduziu duas irmãs Ana e Maria Bolena. Já a teimosa Mary (a católica Mary Stuart?) recebe a afeição de Edmund, herdeiro de Mansfield, mas que não lhe dá o devido valor, abrindo espaço para  Fanny. Jane Austen fantasia a realidade política e religiosa da Inglaterra à época.  A autora acredita no poder laico da literatura, da arte, mas seu olhar é nitidamente moralista e religioso.
       
      As mudanças que ocorrem na vida das pessoas, assim como nas sociedades, que evoluem. Ou regridem, como acontece com o país de origem dos imigrantes, que partem da terra natal para melhorar suas vidas, e podem não encontram o paraíso no lugar adotado, como esperam. Os foragidos das nações em guerra, por exemplo, que chegam em grandes levas aos países desenvolvidos e em paz, quando a adoção, ou inclusão, não é assim tão fácil, principalmente quando não se está ali por vontade, mas por força das circunstâncias. Uma questão crucial para quem chega, é preservar a bagagem cultural, ou então assimilar a cultura local. Fora do contexto de uma cultura universal, alguns acabam por se deixarem seduzir pelo radicalismo, pelo terrorismo individual, ou em grupo. A literatura laica pode ajudar. Para que não encontrem inspiração nas células terroristas, do Estado Islâmico, por exemplo, que matam e morrem alegando que agem em nome de Alá. Uma das tendências mais perturbadoras da atualidade é o terrorismo, que teve ascensão abrupta no mundo, e requerer resposta urgente da civilização. O ser humano é naturalmente violento, e o terrorista não é um ser diferente de nós, apenas adotaram a violência como modo de vida, em um mundo que se afasta cada vez mais da paz divina. No romance, Fanny vai ter sucesso ao final por merecimento e certamente ajuda de Deus, é o que se depreende do texto analisado. As demais personagens femininas não se dão muito bem. No mundo atual há os que fazem barulho por nada, que dizem lutar por uma causa, mas não passam de pessoas movidas, menos pela justiça e mais pelo ressentimento. Dizem ser contra o racismo, a homofobia, a discriminação, mas querem é se mostrar, e são o contrário do pregam.
          
          HOJE FAZ QUINZE ANOS QUE OCORREU O ATENTADO TERRORISTA ÀS TORRES GÊMEAS EM NOVA YORK, ONDE MORRERAM MAIS DE DUAS MIL PESSOAS.

Nota: Minha interpretação deve, em parte, a A.S. Byatt e Ignês Sodré autoras do livro IMAGINANDO PERSONAGENS.

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