quarta-feira, 7 de dezembro de 2016





                          FERREIRA GULLAR, O POETA




           Falece no Rio de Janeiro, aos 86 anos, o maranhense Ferreira Gullar, um dos maiores intelectuais brasileiros, nascido numa pacata S. Luís, onde viveu a mocidade, berço de grandes nomes das letras no nosso país. O pai um homem simples, que tinha um pequeno comércio, na verdade, uma quitanda, da qual o poeta lembra das bananas já passadas sobre as quais voejavam abelhas, que delas eu também lembro, expostas na entrada das vendas da nossa cidade querida. Impróprias para o consumo humano — bom para as abelhas — as bananas, para as quais o filho de seu Newton e dona Alzira fez dois poemas e mais um conto. Também nós outros habitante da rua das Hortas, e ninguém se dava conta de tão nobre existência ao nosso lado, coisas da vida.
         
          José de Ribamar Ferreira Goulart, ou Ferreira Gullar, muito jovem ainda, escolheu o estudo, o convívio com os livros e, em especial,  com os seus conterrâneos intelectuais. E mesmo sem estar de todo preparado para enfrentar a vida sozinho, deslocou-se para o sul do país, levando poucos pertences, ou quase nenhum, mas uma considerável bagagem intelectual, indo logo trabalhar na grande imprensa. Começava uma saga, onde não faltaram percalços, como a prisão por questões políticas, o exílio, e, após a anistia, voltar ao Brasil, livre do ódio e certo da vitória pessoal.
          
          Ferreira Gullar, poeta, ensaísta, crítico literário, tradutor e biógrafo, editou ainda em S. Luís seu primeiro livro Um pouco Acima do Chão , declarado pelo próprio autor como “tateio inicial”, “um livro ingênuo”. Mas foi com A Luta Corporal, editado pelo autor em 1954, que o poeta se revelou em todo seu vigor intelectual. Para o crítico Paulo Werneck, “seria a fagulha de um novo tipo de escrita, que nos anos seguintes mudaria as noções tradicionais  de verso, página, livro de poesia — em resumo, a própria poesia”. Com o Poema Sujo escrito no exílio, marcou definitivamente seu nome na história.
         
        Reconhecido como um dos grandes poetas nacionais, o maranhense Ferreira Gullar mereceu ao longo da vida todo respeito e admiração, sendo indicado duas vezes para o Nobel. Resistiu ao fardão, mas há dois anos foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, tendo declarado na ocasião que “a arte existe porque a vida não basta”. A arte que revela o nosso envolvimento com essa consciência superior que existe no homem. Deus o maior artista, e o dom da arte dado àqueles que sabem extrair da vida encantamento e beleza. A arte poética que se constitui de revelações da humana consciência.
 
    
        BANANAS PODRES 2

Naquele canto
                   em sombra
da quitanda
                   a tarde  — o tempo
                   o sol da tarde —
                   nas bananas virava mel
                                                     (aliás
                    mas água
 do que mel)
                        em outubro de 1938
                        .............
                       
       
      INFINITO SILÊNCIO

         houve
                 (há)
um enorme silêncio
anterior aos nascimentos das estrelas

              antes da luz

             a matéria da matéria

de onde tudo vem incessante e onde
                   tudo se apaga
                   eternamente

esse silêncio
          grita sob nossa vida
          e de ponta a ponta
         a atravessa
                    estridente

        
          EVOCAÇÃO DE SILÊNCIOS

O silêncio habitava
o corredor de entrada
de uma meia morada
na rua das Hortas

o silêncio era frio
no chão de ladrilhos
e branco de cal
nas paredes altas

enquanto lá fora
o sol escaldava


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