sexta-feira, 5 de abril de 2019






    


                                  PERENIDADE





             O sentimento de insegurança que há no mundo é consequência das más intenções, não só dos bandidos, que assaltam, estrupam, matam, com uma tranquilidade absurda. Parece que estamos à beira do abismo, antigas convicções dão lugar à dúvidas cruéis, não se confia em mais nada. O mundo mete medo, as pessoas se apavoram umas com as outras. A casa está com rachaduras por todos os lados, com o teto ameaçando desabar e o piso desgastado, precisa urgente de concerto. E o que está sendo feito não é o que se espera de uma boa reforma, deturpa a obra de um grande arquiteto, motivo para lástima, até revolta.

               Será que vamos deixar de ser o que fomos até aqui?  Pregam por aí que as mudanças serão radicais, na forma de ver e sentir a vida. A questão crucial é saber o que ainda vale e o que não vale. Ou vale tudo? A essa altura a pergunta mais crucial é se o ser humano ainda vale alguma coisa. Éramos inabaláveis em nossas crenças, mas tudo se liquefez, e agora estamos sendo levados pela correnteza, e são poucos os que sabem nadar, muito menos os que podem surfar essas ondas gigantes, que ameaçam tragar a todos. 

            Dá até saudade do tempo em que as pessoas não mudavam, sempre os mesmos gostos e opiniões. Os radicias do passado não seguiam ditames próprios, mas o que estava estabelecido desde sempre pela família,  sociedade, pelo processo civilizatório. Havia noção clara do que tinha valor e o que não valia coisa alguma. Mas quem sabe hoje o real valor que tem a vida? Havia a noção clara e precisa de que os opostos se atraem, que os sexos se encaixam, se completam e podem dar frutos. Normal a forma de amar entre os seres humanos, ou seja, entre homem e mulher, e todos com possibilidade de se unirem fraternalmente. 

               Hoje as identidades são impostas pelas ideologias, e a fixação é ter  uma visão própria de si mesmo e do mundo. O modismo de se contrapor a tudo e todos  faz da vida um sobressalto, o que aumentou neste início de século,  e vai continuar, sabe-se lá até quando. O perigo de ser prático nos sentimentos é acabar enveredando por rota tortuosa. As tentações atraem os mais vulneráveis, e não são poucas as pessoas fáceis de serem fisgadas nessa teia criminosa.

          Mudanças ocorrem ao longo do trajeto, é bom que ocorram, dentro dos limites da razão. Normal vivenciar coisas novas, renovar-se por dentro e por fora. Mas é temerário mudar radicalmente, querer alterar o ser, ou a razão de ser.  Resistir, ou então seguir por esse roteiro infeliz, e anda falar em felicidade. Fim dos tempos e início sabe-se lá do que, e ao final de todas as imposturas o que virá? Perdida a noção das coisas, sem confiar nos mais velhos e seu legado espiritual, ainda tendo que definir a si mesmo e deliberar a que se vincular, que história vamos ter para contar? 

           Cassandra após seu banimento traçou uma rota irreal para si, e ao final de tudo que aprontou, antes de se encaminhar para a morte, traça um retrato da sua triste trajetória, e desolada se dirige ao coro: "Isso era a vida/ As melhores horas/ Como garatujas de giz? Numa lousa numa sala de aula./ Olhamos para elas/ E tentamos entendê-las./ Depois a sorte nos dá as costas/ E tudo que está escrito se apaga."  Um mito  da antiguidade grega. Também esse nosso malfadado tempo de empulhações vai logo se apagar. Enquanto é fato consumado a perenidade da obra de Deus.


restauração malfeita

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