domingo, 6 de março de 2022

 


HOMENAGEM 

DIA INTERNACIONAL DA MULHER

 8 DE MARÇO                       

 

                           DIALOGO BARROCO

 

 

S. LUÍS -MA

 

        

 Domingo à tarde, como de costume as irmãs têm um encontro, estão na praça perto de suas casas, já não usam máscara, final de pandemia do covid19. A preocupação mundial agora é com a guerra na Ucrânia invadida pela Rússia. A bendita paz que parece não existir para o ser humano. Mariza tem uma filha com dezoito anos que acaba de sair de casa  para estudar fora. A temporã de Inez está com ela, a saltitar de um brinquedo para  outro. Maria chegou quando não mais havia esperança da mãe engravidar.

Inez pergunta para a irmã que tomava algumas notas no caderno que tem sempre consigo:

 — Ontem sonhei com Berta, te lembras dela?

 — Como não lembrar, amiga da avó Josefina, era professora aposentada, teve um noivo que sumiu dois dias antes do casamento. A vida toda ela a desculpar o cara: ”Coitado do Alfredinho!

  — E da Apolônia, lembras?

  — Sim, suas feições já sem rastro algum da beleza que tivera quando jovem. Outra saudosa do noivo, piloto de avião, que se espatifou sob seu comando. Ele quis  exibir-se no ar, coisa dos princípios da aviação. Pulu sentia remorso, como se tivesse matado o desafortunado homem, a consciência da morte, reverso da medalha, tão complexa e imprevisível é a vida. Mulheres que guardaram de seus amores  o melhor de si.

  Mariza fecha o caderno de apontamentos para melhor conversar com sua  irmã, afinal estão ali para isso A outra continua:

  — Quantas pessoas por aí vítimas da fatalidade e dos equívocos. O amor, o prazer, como um enigma para não ser de todo desvelado por essas mulheres intocáveis, amoráveis, inabaláveis, que foram educadas na rigidez da religião do amor eterno. Pior são as vítimas do machismo, que se perpetua no mundo. Os homens no passado “mexiam” com as moças e ficava por isso mesmo. Hoje elas têm a lei que as protege da violência, os homens punidos com a força da lei.  Inveterados ainda existem, que o mundo não deixou de ser machista.

E como boa católica dá exemplo de uma santa:

   — As mulheres hoje também estão no comando, mas não é de agora, Inez. Santa Genoveva, de grande coragem, conseguiu com heroísmo afastar a horda dos ferozes e supersticiosos hunos, enfrentando inclusive o pânico dos homens. Firme em sua disposição conclamou suas companheiras para a resistência à invasão da cidade de Paris, da qual ela se tornou padroeira. Na entrada do batistério de São João-de-Rond o seguinte pensamento dela: “Podem os homens fugir; nós mulheres pediremos a Deus, e ele acabará ouvindo as nossas súplicas.”

 Maria aproxima-se para a mãe ajeitar-lhe o cabelo. E enquanto Inez refaz a trança da filha Mariza, continua o assunto focado no machismo:

— Mesmo depois das lutas feministas, os homens continuam a fazer  suas maldades, e há os pedófilos com sua doentia concupiscência. O poeta Virgílio, na decadente Roma, fazia versos sobre as meninas que desabrochavam — poeta que gostava mesmo era dos rapazes. Petrarca platonicamente apaixonado pela quase criança Laura.  Estaria hoje sujeito à Leis da Infância e Juventude,  implantada na terceira década do século XX na Inglaterra, e só mais tarde adotadas no nosso país do carnaval e da permissividade. Lewis Carroll foi um célebre ninfomaníaco e acabou nos tribunais, por conta da denúncia de uma mãe que descobriu cartas libidinosas endereçadas a sua filha, vindas do escritor, que teria se inspirado na menina para escrever o célebre livro Alice No País das Maravilhas.

Mariza fala como escritora.  Inez dá suas pinceladas, estuda a arte barroca, e como a maioria dos racionais está preocupada com o mundo, que avança a passos largos. Como pintora aproveita para falar de uma arte representativa do século onde se formou a mentalidade atual:

— Às portas da modernidade Vermeer, de consciência calvinista e jesuítica, pintou suas figuras como se estivessem representando no palco, e os espectadores percebessem os atos humanos e sua moral. Como artista barroco  com o dever moral de instruir através da sua obra. Época em que surge o interesse financeiro, como se conhece hoje, mas há uma moral a ser considerada. O pintor de Delft não despreza o interesse financeiro, e conscientemente faz propaganda de objetos para o  consumo, do vestuário ao consumo intelectual dos livros. Suas figuras femininas são trabalhadoras e consumistas,  focadas na produção e no consumo, sendo ao mesmo tempo alertadas para que sigam a temperança.

— Como no passado, persiste essa preocupação, Inez. E nunca se sabe onde o mundo vai parar. Temos filhas que vão ter de enfrentar o assédio, inclusive, no trabalho, não é mesmo? Neste momento muitas esposas estão perdendo seus maridos em mais uma guerra. E tem as moças violentadas pelos soldados inimigos. Mulheres e crianças fugindo dos seus lares na Ucrânia por conta de uma guerra insana provocada pelo ditador russo. Não vale mais a diplomacia. Trovoadas anunciam tempestade.

A pintora dá seu último aparte:

— Os interesses que permeiam os atos humanos  devem ser bem avaliados. Intriga-me que ainda haja entre os poderosos interesses de conquista territoriais. Tantas conquistas realizadas para o bem da humanidade, que ficam apagadas com o avanço da insensatez. O quanto somos contraditórios. Penso quando tudo possa estar no seu devido lugar. O que fazer no momento senão pintar a guerra, que vejo à cores pela TV, no momento em que os fatos acontecem.

Maria atende o sinal da mãe e aproxima-se, hora de voltarem para casa. 

  

 


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