sábado, 5 de abril de 2014




                O NARIZ ARREBITADO DE LEOCÁDIA
                                                                           conto

         



              Prima Leocádia teve um primeiro namorado, paixão aguda da juventude, do qual se afastou por sentir que os pais tinham razão em desaprovar a união. Findo o romance os poros começaram a dilatar na pele de alfenim da filha de seu Tonico e dona Mercedes. O rapaz caprichava nos agrados, o suficiente para levar a namorada (uma quase criança nos seus quinze anos), à beira da entrega total ou da loucura, como os pais viam o estado da sua querida Lalá. A filha prestes a se atirar precipício abaixo com uma pessoa como aquela, que proibia a namorada de tudo, de mostrar o joelho e até de estudar, por achar que a mulher tinha sido feita para ficar em casa gerando filhos.
              Benigno foi a tábua de salvação, ou coisa que valha. Há pouco o rapaz havia chegado do interior, que vinha abrir negócio na capital, filho de um atacadista, sócio do irmão da mãe de Leocádia. Foi acolhido de braços abertos, mesmo com os dentes desalinhados, por conta disso sofrendo de enxaqueca. Fazia tempo que o “caboclo” estava de olho, desde que viu a moça na casa da parenta. Não precisou muito esforço, logo estavam de casamento marcado. Ela deixando-se levar para o altar, que aconteceu ao completar dezoito anos, três anos depois da dramática despedida daquele primeiro amor, duro que foi resistir ao convite para que fugissem.
      “O Benigno? Que moço feioso!” Alguém reclamou na ocasião, algum fã secreto, e não foi o Frederico, que a essa altura estudava medicina no Rio, tendo levado para longe seu olhar matreiro com o qual seduzia as moças casadoiras da cidade. Só que o encantador Fred gostava de esnobar a amiguinha, muito infantil, o que ele achava. Diferente do gentil  Benigno, um guri com cara de sapo, a marca registrada da sua família, que parecia fadado a nunca virar príncipe, de joelhos ao seus pés. Pois foi com ele que Leocádia se casou e melhorou a pele. Benigno também melhoraria com o tempo. Os amigos perplexos com a atitude daquela moça casar tão jovem, em vez de aguardar um outro pretendente, o Fred, por exemplo, cujos pais também torciam pelo casamento do filho com Leocádia. Logo Frederico estava de volta ao torrão natal, formado em cirurgião plástico, trazendo junto com o canudo a esposa, coisa do destino, caíra nas garras da carioca.
        Como já se disse, Leocádia era pacata, mas tinha aquele nariz arrebitado de quem sabe o que faz. Vinte e cinco anos se passaram, véspera das bodas de prata, com dois filhos crescidos,  uma mulher madura, ela olhava o rosto no espelho naquela manhã do seu aniversário de cinquenta anos. Havia engordado um pouco além da conta, se bem que fosse um graveto quando jovem, e tinha mesmo que botar corpo. Mas aquelas ruguinhas a incomodaram. A mãe, falecida de pouco, já não mais lhe podia aconselhar, ficou desconsolada. Experimentava um chapéu para as bodas da filha de um casal amigo, e recordou que, em outra comemoração, anos atrás, alguém lhe elogiara o perfil, e esse alguém era nada menos que Fred. “Onde ele andaria?” Sabia que o doutor Frederico fazia sucesso como cirurgião plástico. Como algo lhe caía na face, Leocádia, resolveu fazer uma plástica. Consultar quem? O amigo, lógico, mestre na especialidade. Na primeira consulta foi informada que ele não vivia muito bem com a mulher, com quem casara por interesse, o pai da moça famoso cirurgião no sul do país. E a filha sempre querendo voltar para sua terra natal com os dois filhos.
       Frederico recebeu alegremente a amiga:
       – Como estás ótima! Vou fazer uns pequenos reparos em teu rosto.
       Falou enquanto examinava-lhe a face. Mais que isso poderia caracterizar um assédio, e bobo ele não era, nem ela.
         Na mesma ocasião Benigno procurou um especialista para fazer um reparo nos dentes e caberem na boca pequena. Milagre feito, as dores de cabeça foram embora. Sentia-se mais tranquilo e de bem com a vida. O conserto dentário produzia efeito nele e nas pessoas do convívio do casal, admiradores do marido de Leocádia como pai e esposo, que superara as expectativas. Controlava a gordura, e se sentia outra pessoa, desde que se casara, um guri balofo. Continuava, sim, a amar a mulher. Porque o destino ia reservar-lhe alguma surpresa?!  Admiração maior - Benigno chegou a pensar certa vez - os dois  não se terem destruído mutuamente, durante anos de matrimônio constituído em bases precárias. Um espanto não estarem arrasados física e psicologicamente, como alguns casais que, cedo ainda, marido e mulher tornam-se como que pacientes terminais um do outro, pessoas incompatíveis que nem sempre se amoldam. Nem tinham sido vítimas do  poder destrutivo do amor possessivo, quando se sabe que a felicidade do casal, na verdade, vem do companheirismo amoroso, construtivo, de respeito mútuo. Benigno consciente disso por intuição, e ultimamente através de uma amiga psicóloga com quem gostava cada vez mais de trocar ideias. As rugas seriam marcas da vida, tolice apagá-las. Aconselhou a mulher não fazer plástica.   
         De cara nova, todavia, foi como Leocádia compareceu às bodas do casal amigo. As marcas do tempo amenizadas. Na recepção, depois de dançar com seu hábil restaurador – ele ali presente por sua causa, a mulher já de volta ao Rio, ela nunca de todo acostumada à terra natal do marido, em acertos para o divórcio amigável. Assim como Leocádia com Benigno. Os dois, livres dos antigos laços matrimonias, saíram juntos para ver as estrelas. Ela queria ser apreciada por Dr. Frederico, ou Fred, à luz do luar. O céu estrelado lá em cima e outro céu cá em baixo. Também para Iolanda e Felisberto, que se aproximaram para ver quem era a mulher ao lado do filho. As águas de março haviam deixado no ar um frescor de outono, tempo que os pais de Frederico mais gostavam, vivendo a quarta década de casados. Chegam a tempo de ver o filho receber um bom-bocado das mãos de Leocádia. Conheciam bem a companhia do Fred, e ficaram encantados, eles também gostavam de surpreender um ao outro com pequenos agrados. Principalmente amavam ver o céu estrelado. Disse Iolanda, de coração enternecido:
       – Aproveitem o tempo que têm pela frente, meus filhos, que serão os melhores anos de suas vidas.
        Leocádia entendeu o conselho e fez o que era necessário fazer, conquistar aquele homem que já conhecia bem. O mesmo aconteceu com Benigno e a psicóloga.


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