domingo, 30 de abril de 2017




DIA 1º DE MAIO: 
PARABÉNS AO TRABALHADOR PELO SEU DIA



FILME: comentário      
    

                   O SONHO  AMERICANO DE  PATERSON





O  diretor Jim Jarmush mostra na tela uma estranha e rara Paterson, em Nova Jersey, nome dado ao filme, que está sendo considerado uma poética cinematográfica. E tudo parece poético ao protagonista que também se chama Paterson (Adam Drive) casado com Laura (Golshifteh), que vivem seu sonho americano particular nessa pequena cidade, que sobrevive intacta ao tempo, com seus prédios de tijolos aparentes, sua vielas estreitas, quase sem ninguém nas ruas. Formada sem pressa, que permanece sempre a mesma, esquecida da sanha do progresso, com um belo parque com cachoeira, a lembrar o paraíso perdido, seu encanto e inocência. Uma pequena moradora é exemplo da vida amigável que sobrevive por ali, ao retribuir a atenção de Paterson, lê para ele um poema seu sobre a água que acabara de escrever. A vida é contida, e a diversão noturna de Paterson se restringe a um pequeno passeio com o cão, e uma ida ao bar, onde ele toma uma cerveja ao fim do dia de trabalho, e com seu jeito calmo e decidido, chega a evitar uma agressão de um homem contra a mulher, que rejeita o assédio, destempero humano há em todo lugar. Paterson, todavia, é a tranquilidade em pessoa, esposo carinhoso e atento, além de dedicado ao trabalho, por menor que seja. Parece ser imigrante, a nos lembrar do eletricista Jean Charles, morto por policiais dentro de um trem em Londres, quando ia para o trabalho, confundido com um terrorista. Mas continuemos com o enredo do filme.  

         O casamento e a mudança do casal para Paterson, parece recente, ainda não há criança na casa, apenas o buldogue Marvin vive refastelado numa confortável poltrona, a rosnar toda vez que o casal ensaia uma cena romântica na frente dele. O animal é quase um personagem, que tem ciúme de seus românticos donos. O marido de Laura decidido a ganhar o pão de cada dia sai todas as manhãs para trabalhar em um atividade aquém da sua capacidade intelectual, o que se observa ao longo do filme sobre o casal que têm livros na estante da casa. de vez em quando Laura cita Emily Dicknson, mas o que ela quer mesmo é ser artista de música country  e ganhar dinheiro e fazer sucesso. Mas enquanto o sucesso não vem ambos  vão se virando como podem, e boa vontade não falta. Paterson não precisa de despertador, e na hora exata ele acorda, desprende-se dos braços da mulher, a quem oferece os últimos agrados antes de descer para degustar seu cereal e partir para o trabalho. Sai de casa com uma pequena frasqueira, contendo o almoço, para percorrer todos os dias o mesmo itinerário de casa até o trabalho: descer uma suave ladeira e depois virar umas dois ou três esquinas. Chega adiantado, e enquanto aguarda a liberação do ônibus que vai dirigir, aproveita para rascunhar sua poética. 

          O banal, o autêntico, serve de inspiração ao poeta-motorista, lindos poemas, que importa saber, são de autoria do poeta surrealista americano Ron Padgett. Exercer a profissão de motorista parece não ter encanto, mas o valor que tem o trabalho, e até ser divertido  para Paterson ao  escutar as conversas dos passageiros. A poesia requer sensibilidade e encanto o que é especial no marido de Laura, que aproveita os espaços de folga do trabalho para ter seus momentos de reflexão e encantamento. E assim Peterson ganha o pão e tentando realizar seu sonho. Em casa fica a esposa para cuidar dos afazeres domésticos, o que ela faz com o maior capricho, aproveitando para produzir caprichados cupcakes, bolo da moda, com intenção de vender na feira da cidade. Sem esquecer um só momento de alimentar seu sonho de ser artista. Para tanto treina acordes no violão, que fez o marido comprar para ela, embarcada no sonho americano de dinheiro e sucesso, no que o marido não parece muito preocupado. É certo que a mulher sempre sai na frente, desde priscas eras, e no país das oportunidades nada parece impossível de se realizar para a mulher de Paterson, até mesmo ficarem famosos e ricos. Ainda um tanto confusa, cheia de informação, e meio pitagórica, meio esotérica, ela decora com figuras geométricas e florais em preto e branco, paredes, cortinas, tapetes da casa, também o violão e suas roupas. Podia até ser acusada de bruxa. Mas não é atoa que ela  tem o nome Laura, o mesmo da musa inspiradora de Petrarca, mestre do Renascimento. Um renascimento, que significa volta ao passado distante, é como casal vive na antiga Paterson o início de suas vidas juntos, no país mais progressista do mundo. 








O casal começa a vislumbrar o sucesso quando Laura vende na feira todos os seus bolos caseiros, e com o dinheiro ganho oferece ao marido um jantar no restaurante e depois uma sessão de cinema. O filme é de terror, e o mais fantástico é a artista da tela se parecer com a personagem da vida real, o que o marido diz orgulhoso para a esposa. O filme pode ser tomado como aviso de que estejam alertas, pois algo de ruim pode acontecer! E acontece! Enquanto eles estão juntos comemorando, o cão enciumado, ou o feroz senso crítico do animal, na sua inconsciência, destrói os poemas do seu dono, que foram esquecidos no sofá. Triste com  a perda, Paterson sai de casa para ver as águas que jorram no parque, numa contínua renovação. Para Espinosa Deus é a Natureza! Mas Paterson não tem questionamentos. Ao lado senta-se um japonês, imigrante como ele, ou apenas um turista, que oferece um caderno em branco ao poeta. Uma perda pode servir de oportunidade para mudar, e se dê mais valor à vida, e que ela faça sentido. A persistência e dedicação ao trabalho são importantes para ganhar dinheiro e ter sucesso, além do talento, lógico. Mas com fé em Deus a pessoa vai mais além... Nosso Deus diferente do deus de Espinosa

         A CORRIDA
                    Ron Padgett

Atravesso
trilhões de moléculas
que se afastam
para abrir caminho para mim
enquanto de ambos os lados
outros trilhões delas
permanecem onde estão.
A lâmina do limpa-brisas
começa a chiar.
A chuva parou.
Eu paro.
Na esquina
um menino
numa gabardine amarela
segura  a mão de sua mãe.
 
Poema de Ron Padgett  em Paterson . Trad. de João Luís Barreto Guimarães



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