segunda-feira, 4 de setembro de 2017


CONTO


          PÔR DO SOL EM COPENHAGUE





Observa aquele dois agarradinho, estão apaixonados!" Foi como Mirtes traduziu o pensamento do marido, que não disse nada, mas dirigiu-lhe um olhar perscrutador, diante do casal aos beijos e abraços do outro lado da mesa. Aquela era primeira festa a que compareciam, tímidos recém-casados. O futuro poderia esclarecer o seguinte:

 - Meus amigos, grandes transformações vão ocorrer no mundo, não podem nem imaginar o que vem por aí! Você, meu rapaz, é decidido, persistente em seus ideais! E essa moça sonhadora ao seu lado, será a mesma e outra bem diferente. Sei que todos buscam uma vida feliz. Mas seria a felicidade um estado de inconsciência? Ou o bem maior da vida é a consciência? Para os corajosos a vida pode ser combate; para os sonhadores poesia. Um filme, uma dança, tudo isso que vemos, e muito mais do que se vê. A vida, essa grande aliada dos que têm fé, o que o futuro costuma confirmar.

Quando Mirtes  e Miguel se conheceram, pouco se deram conta de serem feitos um para o outro. Ficaram afastados por um tempo, mas, ao se reencontrarem, não demoraram a casar.  Com filhos criados e alguns netos, faziam agora, meio século depois, mais uma viagem. Não havia lindas praias como as de S. Luís ou Natal, nem estavam numa ilha paradisíaca do Rio de Janeiro. As águas calmas do mar Báltico serviam de pano de fundo para o casal na janela do amplo aposento, admirados com a paisagem - barcos que iam e vinha, assim como as pessoas na calçada e na rua de um lado para outro em suas bicicletas. Grande a emoção de estarem vivos e com saúde. Tiveram um bom tempo de luta, e, mais tempo ainda para os momentos de prazer, como aqueles que vivenciavam ali em Copenhague.

Pensou Miguel sobre eles dois: “Não foi uma paixão arrebatadora que os uniu, mas o compromisso de  olharem um para o outro, e sempre irem na mesma direção, o que é a essência do amor. Uma união, quem sabe mais feliz que de outros ao casaram ‘perdidamente’ apaixonados. Verdade que sempre cuidaram para não dar passos falsos. Juntos na travessia, e sem grandes percalços. Não desdenharam da sorte, nem aproximaram-se imprudentemente do azar. Mantiveram a fé, e sentiam-se gratos por esse amparo nas inquietações.” 

             Outra vez Mirtes a querer adivinhar-lhe os pensamentos, e o marido tratou de iniciar o diálogo, que aprenderam a ter um com o outro:

- Os homens continuam uns bárbaros, e o mais intrigante é que isso aconteça apesar da magnífica civilização que foi erguida com suor e  saber, também com sangue. Houve, sim, um tempo bom de se viver, minha querida, mas que está ficando para trás. Daqui para a frente, lastimo dizer, “salve-se quem puder”. A vida ao acaso transforma-se numa sucessão de azares. Ações arbitrárias em nome do progresso deixam dúvidas aonde isso tudo vai dar. Os radicalismos a fazerem vítimas inocentes mundo afora. O que me dizes?

         - Tempos difíceis, esses que estamos vivendo! Pessoas malvadas matando e se matando, certamente por estarem apartadas do bem, por não adotarem as verdades da fé. Cultivam paixões, ou ilusões, que comprometem a vida. Amiúdam-se os crimes praticados pelo terrorismo islâmicos e tornaram-se constantes os crimes passionais. O marido matar a esposa e os filhos, e depois se matar, que coisa mais absurda. Já se fala em “passionalismo”, a nova doença urbana. Deus Pai e Mãe do Céu, conduzi sempre nossos filhos, amparai a família! Amém!

Já era noite alta e o casal permaneceu na sacada para ver o fenômeno do pôr do sol no verão do hemisfério Norte. Já amanhecia, e logo teriam de comparecer ao aeroporto para retornarem a seu querido país de origem, o Brasil.






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