sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019






                                   
                                   

                                                  MARIA e MARIA









         Desde que se conheceram - ainda nos bancos escolares - Maria da Paz e Paula Maria eram amigas.  Já casadas e com filhos mantinham o costume de todo fim de mês tomarem um cafezinho e porem o assunto em dia. Paula chegou um pouco atrasada por conta da chuva, teve que atravessar a cidade que estava debaixo d´água, quase não chega ao seu destino. Pediu desculpa, e sentou-se ao lado da amiga, que não percebeu de imediato sua presença. Alguns segundos apenas, e Maria da Paz manifestava a alegria com a visão da recém-chegada. Logo estavam fazendo seus pedidos ao garçom, e a seguir deram início à conversa, que prometia ser difícil, foi aquela uma semana de acontecimentos ruins de se viver.  

        
       - Quando você chegou Paula, eu estava mantendo um diálogo com meus personagens, gosto de atiçá-los, e que eles me surpreendam. É um costume que tenho desde jovem, ficar absorta com meus pensamentos, e quando surpreendida recebia advertência: "Estás pensando na morte da bezerra?" Olhando para trás reconheço que nossa geração era meio desligada, jovens sem grandes preocupações, talvez por termos vivido nosso dia a dia num mundo menos problemático. Na época se podia dizer: "O que tiver que ser será" Ou então falar: " O que é meu ninguém põe a mão". Hoje temos uma geração "ligadona", todo mundo preocupado com o mundo todo,  resultado da globalização, tem o aquecimento global e a violência, e tudo o mais que mexe com a vida de uma maneira geral.

       - Devido às atuais circunstâncias - uma catástrofe atrás da outra - encontro-me nostálgica do passado. Estamos no início do ano e já aconteceram desastres que seria para o ano todo: primeiro desmoronou a barragem de Mariana com mais de uma dezena de mortes,  a seguir o desmoronamento em  Brumadinho, com mais de duzentas mortes na lama. No mês seguinte aconteceu a morte cruel  de 10 jovens num alojamento do Flamengo, que pegou fogo. No presente momento somos surpreendidos com esta enchente, a cidade inteira mergulhada n´água, com dezenas de árvores caindo por cima de casas e carros, e pela segunda vez a queda de parte da malfadada ciclovia Tim Maia, tudo que podia ser evitado, não é mesmo Maria? A incompetência, a irresponsabilidade, além da falta de fiscalização. Tempos atrás não fazia muito sentido a preocupação com o presente, muito menos com o futuro distante. E o futuro estava logo ali.
  
           Chegou o pedido dos dois capuchinos acompanhados de torradas com geleia. Maria da Paz agradeceu a atenção do garçom, enquanto Paula Maria deu sequência à conversa: 
     
          - O futuro parece que nos pegou a todos de surpresa, não é mesmo? As mulheres ainda na luta contra seus direitos, agora vítimas do feminicídio, que a tal ponto cresceu no nosso país, que a ministra da Mulher, da Família de Direitos Humanos, Damares Alves chegou a aconselhar os pais de meninas deixarem o país para só assim poder livrá-las do assédio e morte. Pode isso, uma mulher ser espancada por quatro horas no seu apartamento?  É demais. Um contrassenso diante  do progresso mundial, que  contribuiu para que as mulheres ascendessem ao mercado de trabalho e tivessem sua independência assegurada, um salto dado pela humanidade.  

        - Sim, minha amiga, as mulheres hoje são privilegiadas, podem trabalhar e ter a liberdade necessária para, pelo menos, ter uma vida adulta sem a tutela do homem, seja pai, irmão, marido. Sabemos que as necessidades nos fizeram avançar, e avançamos muito nas últimas décadas, mais que nos milênios anteriores, o progresso a trazer muita coisa boa, mas outros tantos problemas, infelizmente. As restrições que atualmente se fazem a esse mesmo progresso, o que me leva a indagar se não era melhor aquele jeito antigo de viver, as pessoas confiantes, despreocupadas, concordas, Paula? Mas, para frente é que se anda.


          - Preocupação é uma coisa, e atenção é outra, bem diferente, as inovações dependendo das intenções. Não ter de se lastimar  por perder o melhor da festa, a cascata de camarão, por exemplo. KKKKK. Lembra Da Paz? Chegamos atrasado à mesa onde estavam empilhados os deliciosas crustáceos. Para as glutões uma grande perda. Hoje temos os ligadões, desses que primeiro avançam nos atuais bufês dos chefes especializados, seus pratos elaborados na maior competência, sabores para todos os gostos. Mas todo cuidado é pouco, tem até farofa de louva-a-deus. Falo de comida porque gosto de comer e cozinhar, amo quase tanto quanto escrever. 

               -  Alegria, Alegria! cantava o baiano em uníssono com o pernambucano e sua Banda, desafiando quem estivesse ocupado para que deixassem seus afazeres e escutassem seu canto. E quanto mais desafiavam as pessoas com suas ideias, mais sorriam. Tempo das ideologias, as mais estapafúrdias. De repente, acabou a paz e alegria... Que pena! Ou foi melhor assim?


        - Minha amiga, o inesperado acontece. No tempo das prisões  recebemos aquela ordem que mudou a vida  dos funcionários públicos, mesmo assim, não foi fácil a transferência do Rio para Brasília. Um sonho, ou um pesadelo as pessoas se perguntavam. A sorte gosta de surpreender. Surpreendente o sucesso da nova capital! Outra vez no Rio e cá estamos acompanhando os novos tempos, a falta grave que é não de dar atenção ao que acontece em volta,  e o que se deve é sempre estar preparado para as mudanças, que tem o momento certo para acontecer, sem pressa. E mais que nunca haja discernimento sobre o que é para o bem, e o que é do mal. 

       O garçom, um idoso, vem retirar as xícaras vazias, há décadas trabalha no Cirandinha, mesmo aposentado continuava servindo os clientes, com filhos doutores, o que ele disse orgulhoso às clientes do café, mais famoso de Copacabana. Recebeu o pedido de água, e foi com o mesmo sorriso de sempre  que perguntou se era com ou sem gaz. Elas queriam com gaz. 



           - Reparaste, Paula Maria, hoje em dia até os mais velhos não param mais para ver passar a banda, levantando a poeira das ruas. Progredimos, e cada um faça a vida toda o que gosta, sem acelerar no asfalto. Os novos tempos com esse consumismo, que para os antigos seria um comportamento inadequado, idem o vocabulário, tão pobre, para o nosso gosto, não é mesmo, amiga? Escrevo diariamente em meu blog, e mesmo não tendo especialização nesse ou naquele assunto, é como diletante que escrevo sobre o que é relevante no momento, com o vocabulário caprichado. Tenho boas leituras, onde pesco os assuntos de que vou tratar, e dias atrás pesquei uma conversa de dois ícones das letras, Clarice Lispector e Millor Fernandes, quando então esse articulista disse que o gênio do ser humano está na bondade. A escritora concordou. Seria então por conta da burrice que a maldade impera no  mundo, não é mesmo? 

           - Pode haver soberba na segurança quando escrevemos, mas também uma insegurança que beira o pânico, não é mesmo? Afinal a escrita de um texto é muitas vezes um resgate consciente, ou inconsciente das vivências. Mas a grande jogada é ter a possibilidade inigualável de uma comunicação, o que é  deveras agradável e saudável. Escrevo, menos que você, minha amiga, e quando estou elucubrando minhas ideias, posso sentir um certo poder mental, que não sei de onde vem, enquanto minha emoção sobe às altura. Não acontece o mesmo contigo?

           Maria da Paz estava de acordo com sua amiga Paula Maria em quase tudo, mas a conversa ficou nesse ponto, tinham um trânsito caótico a enfrentar. Fazer o que? Separaram-se, pedindo notícia quando chegassem em casa, era sempre assim, além dos assaltos, tinha a chuva. No volante do carro ambas redobravam a atenção no asfalto esburacado pelas águas, mas tinham fé e esperança que iam chegar sãs e salvas. Paula Maria ao volante do seu BMW, ainda assim, sentia saudade dos bonde, correndo nos trilhos, como tudo o mais que andava seguro, mesmo devagar, quase parando. Maria da Paz dirigindo com cautela seu antigo fusquinha branco estufado vermelho, também pensava na falta de segurança, e na velocidade como as coisas ruins aconteciam. Ainda no Café ambas comentaram que os avanços deviam andar mais devagar, como os velhinhos, afinal o mundo estava caquético, e o Brasil que tratasse de desacelerar sua mineração, afinal os chineses estão com menos gula para devorar o ferro brasileiro. 




  

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