quarta-feira, 15 de janeiro de 2020


CONTO DE UMA APRENDIZ DE ESCRITORA



             
                      ESPELHO, ESPELHO MEU!...





“Aquela mulher no balcão da farmácia seria Romana?” Dora estava reconhecendo a antiga colega de ginásio. Como boa fisionomista tinha quase certeza que era ela, pedindo um remédio para dores no joelho, e o farmacêutico recomendando que procurasse um médico, e oferecendo-lhe uma cartela de Dorflex. “Tão linda que era, mas não envelheceu muito bem” pensou Dora para  em seguida dar uma olhada no espelho que cobria parte da pilastra a sua frente, e ficar satisfeita com o rosto ali refletido.

Ficou encabulada quando a atendente sorriu, como que aprovando a vaidade da velhinha, a quem perguntou se já havia sido atendida. Nem teve tempo de responder, Romana também a reconheceu, e já falava ao lado:

— Bonita e bem conservada, apesar das andanças pelo mundo, estou espantada”.

“Coisa que a amiga não pode dizer de si mesma”, foi o que Dora quis falar para a Romana, mas simplesmente demonstrou o quanto estava alegre em encontrá-la. Sem deixar de esclarecer sobre seu retorno à cidade. Falou com ênfase:

— Nasci e me criei aqui, e aqui quero morrer, Romana!

— Não é um destino tão ruim assim, não é mesmo Dora? Nunca morei fora e jamais estive longe da minha terra natal, o que pode ser provação, ou bênção. Aqui casei e nasceram meus três primeiros filhos, cedo fiquei viúva. Tornei a casar e vieram mais dois. Soube que você casou com militar e adido cultural em vários países, e tem uma linda filha. Conheci seu marido na juventude, pensei em conquistá-lo antes de você. Mas você apareceu e levou a presa nos dentes.

Dora sacudiu a cabeça.

— Bobagens. Sei que é bom estar toda vida no mesmo lugar. Também não é nada mal ter experiências para além das nossas fronteiras. O quanto aprendemos e nos divertimos. Londres foi uma experiência maravilhosa, onde minha filha nasceu, e mora hoje, com o marido e dois filhos. O mesmo não posso dizer de certos locais, que   são provações, como Bagdá em guerra. Ainda bem que vivi ali por pouco tempo.

Sem se dar conta, Dora estava encompridando a conversa, que ia chegar aos encontros e desencontros da vida. Ambas com toda uma história. E subitamente um pensamento insinuou-lhe na mente, o que vinha acontecendo nos últimos tempos, “se o marido tinha sido feliz ao seu lado e vice-versa”. Foi quando a amiga convidou-a para tomarem um café do outro lado da rua. Já estava na cara seu descontentamento com as indiscrições da outra.

Romana parecia divertir-se:

— Desculpe Dora, você sabe que eu sempre fui uma pessoa sincera, não meço as palavras, nem escondo meus sentimentos. Você sempre mais calada e guardando ressentimentos e mágoas.

— Oh não. — O protesto saiu rápido dos lábios de Dora, que a essa altura pensava no homem execrável com que a amiga havia casado, seu primeiro marido, quanto ao segundo, nada sabia.

Já estavam sentadas, com bolsas e compras colocadas na cadeira vizinha. Romana chamou a moça para que lhes trouxessem o café, que vinha servido com deliciosos cookies. Enquanto espera, Dora lembrou que, antes de sair do país,  tinha visto a amiga em companhia de uma pessoa peculiar, vestido de modo extravagante. Depois disso, a distância.

— Muitos romances por esse mundo afora?

Dora respondeu com severidade:

  Nenhum de nós dois sentiu necessidade de ter outra pessoa em suas vidas, nem se houvesse, pois preservamos o casamento também como uma instituição, que merece respeito, para seguir cumprindo sua função na sociedade,  nossa sociedade cristã.

— Mas Roger tem um olhar malandro, eu desconfio dele.

Foi quando Dora lembrou de uma moça bonita e muito educada, que trabalhava na embaixada. Na época ela parecia um pouco ousada...O incidente  esquecido, afinal partiram logo depois em outra missão do marido, justamente em Bagdá. Um tempo nada fácil.

 Voltaram ao assunto que as duas tinham mais em comum. Dora falou:

— Tempos felizes aqueles, não foi?

— Mais ou menos, era tudo tão saudável e demasiadamente presunçoso. Queria mais era gozar a vida, mas acabei presa a dois casamento, cinco filhos e ao rincão natal. Não tive oportunidade de ver o mundo como você, e tão bem acompanhada!

— Verdade!

“ Pobre Romana”, pensou Dora quando chegou em casa e se preparava para dormir. Não falou do encontro para o marido, ia deixar para outro dia, estava exausta. E logo pegou no sono.








E 

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