terça-feira, 14 de janeiro de 2020


CONTO


                                       
                        LONGE DEMAIS







Que vida animada eles podiam ter juntos!” Laura pensava nisso depois de uma viagem sem a companhia do marido, como sempre. Acabara de chegar de um passeio na Ásia com amigos, tendo ainda passado alguns dias numa reserva de vida selvagem na África. No programa turístico havia um safari, que deixou-os presos por dias no  acampamento devido ao tempo ruim. Coisa que não fez a turma mudar de ideia, achavam que a vida era para ser vivida até às últimas consequências. Joaquim tinha dúvidas, e olhando a esposa ao lado, pensou:  “Animação, movimento, prazer, é diferente de felicidade”. Depois falou:

— Por que essa preocupação atual de ser feliz, Laura? Há coisas mais importantes na vida.

À guisa de resposta, ela retrucou:

— Naqueles dias na selva estive meditando sobre minha vida até aqui. Imagino o que você pensa, se nos saímos bem juntos, se tivemos sucesso na nossa vida de casal civilizado, com a educação dos filhos.

Joaquim riu, pensava que a esposa tinha ido longe demais. Ele preferia o ambiente familiar e não gostava de estar andando de um lugar para outro para ser feliz. Respondeu:

— Acho que estivemos empenhados em ter um lar livre sem maiores problemas, em especial, cuidamos para que nossos filhos se tornassem bons cristãos. A religião tem, sim, muita coisa a ver com o bem estar pessoal e familiar. A preocupação de muitos por aí é que eles próprios e os filhos estejam felizes. Mas o que se sabe é que beleza, dinheiro, posição, nada disso faz com que se alcance a almejada felicidade. Pode ser um desperdício, mas é a verdade.

— Viajar faz a gente se afastar do dia a dia, meu querido, e, se houver oportunidade, até mesmo pensar nas próprias falhas, ou pecados, deglutir as mágoa, o que aconteceu comigo. Fiquei aqueles dias olhando a natureza e por alguma razão passei a rememorar o passado. Avaliei meus sentimentos e o que meu marido e meus filhos sentem sobre mim.

Joaquim franziu o cenho e contemporizou:

— Se temos que voltar no tempo é para rever as boas ações. As bênçãos recebidas!

Laura estava com a veia de se confidenciar, ou mesmo penitenciar. Falou que pretendia ter uma vida nova dali por diante. O marido falou:

— Nem todos são capazes de mudar.

— Mas eu ... eu sou capaz.

— Não é mesmo.

— Costumo ser tão reservada, e já lhe contei tantas coisas da minha vida... sou um livro aberto para você, meu marido.

Joaquim pensou: “ Os burgueses são pessoas curiosas,  têm vergonha de suas virtudes e estão prontos para expor seus defeitos.” A seguir provocou-a, repetindo a música:

— Burguesinha, burguesinha...

Laura de repente se sentiu realmente burguesa. Pensava se sua verdadeira face não  havia se escondida sob a proteção de uma densa camada,   que escondia a realidade.

— Para mim — continuou o marido — seria escuridão não ver o próprio caminho, ou estar perdido na selva por uma vida sem sentido. E o pior de tudo, ficar isolado do amor de Deus.

Ela falou com toda convicção:

— Acredito que o que importa é não estar só. E eu não estou só. Tenho você.

 Ele confessou para si mesmo:

“Não há nada de errado com minha esposa, ela continuava a mesma  de sempre. Nunca mudou e nada a fará mudar. O segredo é deixar que ela siga com a vida que construiu para si, onde se sente segura. Laura está só e sempre estará, ela sabe bem disso. Todos estamos sós, e temos de viver bem com os outros, na medida do possível. Dos três filhos ele só temia por Luíza, com seu temperamento profundamente emotivo.”

— A vida cobra de nós o que lhe é devido — disse por fim o marido de Laura.


  

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