segunda-feira, 24 de maio de 2021

 

 

 

                        JUVENTUDE EM TRÊS TEMPOS

 

 


 

I - Ano de 1976, e lá estava Alice, aos quinze anos, dando início aos seus estudos da língua de Shakespeare, da qual tentava tomar gosto, lendo o bardo, naquele quarto gelado em pleno inverno europeu, em Londres. Era um das três brasileiras internas no colégio das freiras Santa Marcelina, em Hampstead Tower. Pela janela via a triste paisagem de um cemitério, mas cá dentro escutava as outras alunas, vindas de outros países, mais italianas, que esbanjavam glamour pelas salas e corredores do internato. Eram como pássaros na gaiola. Antes de enfrentar a turma, naquele primeiro dia de aula, Alice repetiu para si mesma, no seu precário inglês de colegial: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que imagina tua filosofia!” Estava ali para aprender a ser uma verdadeira dama, ainda por cima, inglesa. Em seis meses  seria possível isso? 

II – Ano de 1954, Dorinha cursava o segundo ano ginasial, quando a professora de geografia — sem que, nem pra que —, falou na sala de aula que ela era um lago, sempre calma e calada, comparando-a com Mariinha, uma cachoeira, em constante movimento. Quem naquela idade queria sondar as profundezas? Dorinha nunca imaginara que fosse melhor, ou pior que as outras meninas, apenas gostava de ficar em silêncio, mais do que falar. Unidade na diversidade como era a vida naqueles bons tempos. Por algum tempo a imagem do lago gravado na cabeça da menina, que logo chegou a idade adulta, casou, de lago partiu para a corredeira, com os filhos que não lhe deixavam parada, tinha reserva de energia. Soube que Mariinha fez parte de um grupo armado, foi presa, e escapou de morrer, enquanto outros perderam a vida, pessoas de valor, que mereciam ser ouvidas. Seja quem for, ninguém deve morrer por suas ideias, ter sua voz calada pela repressão. A democracia como a forma mais segura de expressão da liberdade.

III — Início do século XXI, comovente e ao mesmo tempo assustador ver aquela menininha de mochila nas costas ir em direção ao embarque para sua primeira viagem, ficaria por um longo período no exterior.  Os cabelos castanhos caídos nos ombros largos de esportista dava certa tranquilidade aos pais, sabiam que não ia ali uma criança mimada, mas uma moça determinada. A mãe lembrou quando a filha era bebê, alheia aos males do mundo, seu brilho infantil, e agora ali estava uma jovem disposta a conquistar seu lugar no mundo. Doce e vivaz aos 17 anos, diferente de suas antepassadas, que pouco se devotavam às atividades fora de casa, e ainda muito jovens constituíam sua própria família, e assim seu lugar na sociedade.  A geração privilegiada de Soraia, com a liberdade conquistada pela mulher, que carrega em seu bojo responsabilidades, no que tange o apetite aos riscos e o funcionamento dos limites. Seja qual for o tempo, ainda mais esses novos tempos, de tantas expectativas.  

 

 

 

 

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