sexta-feira, 14 de novembro de 2014



                                      

                                        MEU TIO JOAQUIM      

      

       Lembro bem do tio Joaquim, uma doçura de pessoa, acolhedor, amigo, bom conselheiro, o que sabem disso aqueles que se hospedaram em sua casa, os parentes, como eu, solteira, e recém-casados, mais de um casal, que eu saiba. Tivemos a oportunidade do seu incentivo para os estudos, inclusive, que nos tornássemos servidores públicos, como ele, que era fiscal do consumo, concursado.  Falo aqui, porque a tendência é a gente esquecer quem nos acolhe e ajuda em algum momento da vida, por achar que a gratidão humilha, sendo assim, melhor reclamar disso e daquilo que sofreu. É o que tenho a dizer antes de contar a história que segue.

       Ficou estabelecido pela família que os rapazes iam estudar no Caraça, colégio católico, que arrebanhava levas de estudantes em todo o Brasil, localizado a léguas e léguas de distância de S. Luís, a ensolarada cidade praiana dos sabiás nas palmeiras. Cheios de expectativas lá se foram meus tios-avôs, Antônio e Joaquim, estudar com os padres Lazaristas, com quem iam se embeber de conhecimento e de fé. Para tanto, os jovens maranhenses tiveram antes que vencer a Serra das Gerais, para alcançarem o vale onde se erguia o conceituado colégio. Sacrifício que valia a pena, de lá saíam grandes homens. Quase um exílio, ainda mais sem internet, lógico, ainda não existia computador nem televisão, veículos de comunicação que informam hoje a meninada, quase na mesma proporção que desinforma. O saber adquirido nas fontes, ou seja, nos livros e na fé cristã. Quanto tempo eles ficaram no Caraça não sei dizer.
     
    Emergia uma sociedade entre guerras, voluntarista e naturalista, mais que racionalista, os dois irmãos, ao retornaram à cidade natal, vinham com a ideia fixa de encontrarem a felicidade na ordem da natureza, iam viver no interior, longe das realidades e maldades da vida na capital, do que se queixavam. Seria a fantasia rural dos filhos de dona Amelinha, também os casamentos por amor, ou simples capricho, oposição à presunção burguesa da família, em especial das irmãs, que mantinham suas almas urbanas e progressistas? As mulheres na época tendo como única opção serem escolhidas por um homem, para lhes sustentar e dar filhos para criar, ao que minhas tias-avós tiveram que aderir, meio a contragosto, quando teriam sido profissionais exemplares, como foram mães.  
   
      Embrenharam-se, pois, meus tios no interior maranhense, para logo estarem apaixonados, não tanto pela natureza, citadinos como eram, mas por Flor e Santa, a quem prestaram juramento, convictos do que diziam ao pé do altar: “Até que a morte nos separe”. Embebidos de uma pura felicidade, o que seria o elo perdido da humanidade. Ou felicidade seria simplesmente a paz consigo mesmo e com os outros? O certo é que as pessoas na época não tinham aquela dúvida que acomete hoje a maioria dos mortais, uma feliz estratégia da mente, pois ter sempre certeza, paralisa, ou leva a atitudes, julgamentos e escolhas pouco racionais. A felicidade que para Aristóteles estaria na virtude, o caso dos meus virtuosos tios, que tiveram a sorte de suas escolhidas trazerem seus maridos de volta à realidade, que era a vida na cidade, melhor ainda, na capital, e ali pleiteassem um bom emprego.

     O certo é que, se há quem queira viver perto da natureza, outros almejam o contrário, importante é que tudo acabe na santa paz. Quanto à minha avó e tias-avós, elas nunca deixaram de acreditar na mente evoluída, no cultivo da boa consciência. Adeptas do progresso burguês, penso que se vivas estivessem elas travariam uma luta íntima para superar a descrença no “progresso” que se vê hoje, mais ainda na consciência forjada na televisão e redes sociais. Uma família abençoada, da qual tenho a honra de descender.

    NATAL! 
   Presto aqui uma singela homenagem aos meus tios-avôs e tias-avós.


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