quarta-feira, 4 de março de 2020








FICÇÃO

Celebrando a semana da mulher

               

          UM CORPO NO JARDIM

                                                                   
Modesta e bem cuidada, aquela casa não tinha qualquer indício que pudesse ser associada a alguma tragédia, seus dois andares com flores na janela. Foi o que pensou o delegado, no alto dos seus quase oitenta anos, antes de bater na porta para averiguação de um crime. Dia abafado, a chuva ainda não viera refrescar o ar da tarde, dona Clara estava fazendo a sesta, em um dos cômodos de sua pensão, após o almoço. Quem veio atender a porta foi uma moça baixinha, começando a engordar, que após as apresentações, fez com que o recém-chegado entrasse e se acomodasse na sala. Falou solícita:

—A dona da casa logo virá atendê-lo.

A sala com um balcão para atender os hóspedes, atrás do qual se via  um armário com objetos de fabricação chinesas, coisas de casa e também um ou dois brinquedos para crianças, como uma grande melancia com rodinhas. Quatro confortáveis cadeias para as visitas, numa delas o delegado sentou-se para aguardar ser recebido. Mas o agente da lei não vinha como hóspede, nem para uma conversa amigável. Estava ali porque um cadáver foi encontrado no jardim de uma mansão localizada a alguns metros da pensão de dona Clara. Foi como justificou sua presença, ao ser recebido, e disse enfático:

—Por incrível que pareça, minha senhora, o caso remete a alguma de suas hóspedes. Cidade pequena, todo mundo conhece todo mundo, e uma das moças aqui hospedada foi vista com o morto, uma possível conquista.

Por fim, indagou:

— Dona Clara, o que a senhora tem a dizer sobre o fato?
               Antes de pronunciar qualquer palavra dona Clara pensou com seus botões: ”Resolvo tudo sem auxílio de ninguém, cumpro minhas obrigações como cidadã, e agora a polícia chegava com suspeita acerca de um crime nas redondezas, um absurdo”.  Mas ao delegado, o que tinha mais a dizer, é que não conhecia o morto, vindo do Ceará, conforme sua informação.
  
— Recebo em minha casa, apenas moças como hóspedes, vindas do interior, com o que completo minha pensão de viúva de um servidor do Estado.  Só Berenice é minha filha, adotada antes do falecimento do meu marido, alguns anos atrás.

—Não percebeu nada estranho com as moças?

— Costumo perceber   quando algo está errado, e no caso de Berenice e das moças hospedadas na pensão, nunca vi nenhuma acompanhada de pessoa suspeita. A filha completa o ginásio, não tem namorado, e sonha começar a trabalhar. Quanto às outras moças, estão terminando os estudos, e já com casamento marcado no interior, o que sei das três hóspedes. 

O crime descrito em detalhes para dona Clara, era agora repetido na presença das pessoas que viviam na casa e haviam chegado para o almoço. As moças mostraram-se assustadas, quase não conheciam os rapazes da capital, muito menos um forasteiro. Apenas uma delas, Dalva, revelou que tinha acabado o noivado nas últimas férias, sem motivo, apenas queria mais liberdade. E quando falou ter esnobado os amigos, e dito para quem quisesse ouvir, que estava hospedada em um palacete, o delegado ficou de orelha em pé. Quis saber mais:

—E o rapaz assassinado, nunca se encontrou com ele?

—Encontrei esse rapaz   apenas uma vez, nunca mais o vi.
Dalva foi então indagada sobre o caráter do ex noivo, e a resposta que deu foi que o mesmo não era pessoa violenta. Mesmo assim o delegado ficou desconfiado, que havia algo estranho com as moças da pensão de dona Clara, e elucubrou para si mesmo: “O crime foi por ciúme, e o autor seria   o noivo rejeitado daquela moça, que veio à capital praticar o crime, e por engano jogou o corpo no único palacete da rua, possível residência de sua ex. Um crime passional, conforme o estado do morto, enforcado e com o pênis decepado”.

Foi com essa ideia na cabeça que o delegado saiu da pensão de dona Clara, coçando sua cabeça embranquecida. E enquanto retornava ao seu local de trabalho meditava sobre o mundo, que estava indo de mal a pior, a cada dia crescia o número de feminicídios, aquela lá tinha escapando por sorte, por ironia do destino quem pagou a conta foi aquele rapaz, um quase desconhecido na cidade...

Chegou na delegacia certo de ter encontrado o mistério do morto no jardim da mansão. Ia comunicar na delegacia sua ida ao interior do estado para prender o suspeito. Não teve tempo de dizer qualquer coisa e dar um vexame. Logo tomou conhecimento que um investigador de plantão na noite anterior havia desvendado o crime, e já obtivera a confissão do suspeito. Escutou o desfecho do caso:

— O cara em vida, gostava de esnobar as conquistas que fazia, nem de leve plenamente realizadas, mas selou seu destino ao envolver a mulher do chefão do tráfico, que pagou um matador de aluguel para dar cabo do “dândi”.

O delegado experiente em tantos anos de investigação, ainda estava incrédulo, quis questionar sobre o serviço do colega mais jovem:
                
                — E porque cargas d´água o corpo foi parar naquele belo jardim?
                
                 A resposta:
                
                — Acontece que o mesmo rapaz dizia ter um caso com a filha mais nova do dono da mansão, o que não era verdade, como já foi apurado, ao contrário, os dois nem se conheciam. Intriga da oposição, inveja. O forasteiro esnobando suas conquistas, e os fofoqueiros aproveitando-se da situação. O dono da mansão sendo um rico fazendeiro chamava atenção, assim como sua linda filha. Mas o crime não tinha conotação financeira, nem ajuste de contas, como sempre acontece. Foi crime passional, vingança, os dois investigadores de mais idade estavam certos neste ponto. O matador de aluguel, ao perpetrar o crime para o chefão do tráfico, jogou o corpo no local combinado.
              
            A estagiária de direito, que escutava tudo na maior atenção, não se conteve e deu seu aparte:
             
              —As mulheres sempre tidas como objeto sexual, prontas para serem abatidas. A bela mulher do chefão do tráfico, mesmo numa situação de  perigo,  ariscando sua vida por amor, um amor bandido, até mesmo bandida como seu homem, mas, no caso, desconhecia o rapaz, até vê-lo morto. O matador estava rondando a mansão quando foi pego, e não demorou a confessar o crime e apontar os mandantes.
               
              Uma quadrilha seria então desbaratada.

  


HOMENAGEM À AGATHA CHRISTIE

MESTRA DA FICÇÃO POLICIAL


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