sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

 

 

 

          JOAQUIM E SUAS LEMBRANÇAS                


 

TEATRO ARTHUR AZEVEDO S. LUÍS-MA

 

Noite quente de 7 de março de 2020, no lindo e confortável Teatro Arthur Azevedo, em S. Luís - Ma, os atores Miguel Falabella e Zezé Polessa apresentam a peça A Mentira. Joaquim está em visita a cidade onde nasceu, e já se acomoda para assistir o espetáculo. Antes de sentar-se observa com admiração a cadeira de madeira entalhada e o estufado de veludo vermelho,  restauração primorosa, tão do seu agrado como arquiteto e decorador, assim como toda a beleza do teatro recém-reformado. Pensa que nesse mesmo teatro havia nascido em 1854 a grande atriz Apolônia Pinto, no camarim nº 1, quando a  mãe, atriz  portuguesa, entrou em trabalho de parto, em meio a sua apresentação.

Do camarote, que compartilha com outras três pessoas, Joaquim olha a plateia e acha que em questões intelectuais e artísticas, está acima dos que ainda agora, antes do espetáculo, riem e cochicham. Estariam estranhando, no seu caso, que estivesse sozinho, sem esposa, ou noiva? Será que aquela gente ali presente lê e se dedica ao estudo como ele? Salvo raras exceções, o caso do professor Nascimento de Morais Filho.  S. Luís não era mais a Atenas brasileira, dos grandes talentos literários, mas ainda com muita gente talentosa. No camarote em frente ao seu, avista Alfredinho e esposa. Olha o casal e agradece aos céus  por  estar noivo de uma moça como Patrícia, dentro do seu círculo social, escolha que agradou em cheio a família. Já o amigo penara com a desaprovação das irmãs, e havia até ameaçado as três de morte, a mãe falecida logo após a morte do pai.

Toca o segundo sinal para início do espetáculo. Joaquim volta a olhar para o amigo, parece feliz. E não deixa de ter uma ponta de inveja pela audácia de Alfredinho, que havia desafiado a família e impôs sua vontade para casar com uma viúva, mesmo sem filhos. Há casamentos que agradavam em cheio as famílias, e outros  do desagrado geral, ou parcial. A indiferença só acontece quando não há interesse financeiro envolvido, e se dizia que casamento e mortalha no céu se talha. Tempos da inocência... É aceitar a pessoa como ela é e pronto, pensa Joaquim, que não acha de forma alguma ser sua futura esposa  uma tola, desejosa de agradar aos outros, mas uma pessoa verdadeira. Tivera dois anos para aquilatar seu modo de ser, sua personalidade, sem as fragilidades que podem arruinar a vida do casal. Afinal achava que mulher era mesmo o esteio da casa.

A comédia a ser encenada no palco, que acaba de abrir as cortinas, é sobre a arte de esconder a verdade para proteger a quem  se ama. E vem à mente de Joaquim a célebre controvérsia entre Benjamin Constant e Emmanuel Kant a propósito de direito de mentir, o que requer uma reflexão ético-filosófia. Na peça, a personagem Alice surpreende o marido de sua amiga com outra mulher. Deve contar o que viu? Paulo, seu marido, a convence a esconder a verdade, e com o desenrolar da trama fica-se sabendo que ele mesmo traía a esposa. Aliás, os quatro personagens traem-se mutuamente. Pensa Joaquim que casamento não é para amadores. E quer adivinhar o que acontece com o amigo fleumático e dominador como costumava acontecer com os maranhenses e seu machismo. Mas o que ele não queria era aborrecimento com a família, muito menos com a mulher com quem ia conviver por toda sua vida.

O espetáculo chega ao fim, e, antes da debandada geral, formam-se as rodinhas para comentar o que acabam de assistir, e em especial, comentarem o tempo ruim, tanto na política quanto na ameaça de um vírus que acabara de surgir em Wuhan na China e podia chegar ao Brasil a qualquer momento. Essa poderia ser a última aglomeração das pessoas, e talvez por muito tempo. É correr para casa e ficar aguardando os acontecimentos. Joaquim já percebera no aeroporto pessoas de máscara, achou aquilo ridículo, gente medrosa, pensou. Mas parece que a coisa é feia mesmo. Adeus festa de casamento, sua noiva maranhense reside no Rio, como ele, festeiros ambos, mas agora  devem se conformar com uma recepção íntima.

Joaquim ainda dá a última olhada na fachada do prédio reformado de pouco, e logo embrenha-se na escuridão das ruas ludovicenses, quase todas as casas abandonadas, constata com tristeza. Promete a si mesmo comprar uma meia-morada para reformar e passar temporadas na sua amada S. Luís.

  

 

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