segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013


COM O LIVRO SE FAZ GENTE

Com as invasões bárbaras a tradição da leitura e da escrita no Império Romano foi grandemente afetada, prática inexistente para os merovíngios francos, falantes do germânico, que tinha as runas como alfabeto. A transmissão oral. Diante da iminente dissolução da Igreja romana, o renascimento carolíngio trata de dar boa formação aos padres, a educação através do latim, o que foi decisivo para a civilização ocidental. Era em latim que as pessoas eruditas liam no medieval, em especial a Bíblia. A leitura como um ato sagrado em si. “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (João 1:14).
O cristão lia a Bíblia em latim, leitura restrita, até a reforma protestante, quando o texto sagrado foi vertido para o alemão e passou a ser impresso na língua de cada nação, e difundido em grande escala. O Cristianismo torna-se a religião do livro, herança direta da veneração judaica à palavra escrita, uma vez que os protestantes consideravam-se herdeiros dos hebreus. Para os judeus talmúdicos, que viam no texto sagrado uma fonte infinita de inspiração e aprendizado, a leitura era uma ato devocional, uma revelação em si. Desde sempre a vida dos judeus focada na leitura e na escrita. No medieval ensinavam aos meninos num ritual: “Que o Torá seja sua ocupação”. Povo inteligente porque devotados à leitura.
Na efervescência cultural do século XI patrocinada pelo Islã, o grande cientista conhecido como Al Hazen elabora sua teoria sobre ótica, onde faz a distinção entre “sensação” e “percepção”. Ao contrário da sensação, a percepção demanda um ato voluntário de reconhecimento, como ler um texto. Pela primeira vez era dada uma explicação formal para o processo da atividade consciente que distingue “ver” e “ler”. “Palavras, palavras, palavras” responde Hamlet ao seu mordomo quando esse lhe indaga sobre “o que lê o senhor?” Mais sensação que percepção do jovem príncipe, a quem falta maturidade para depurar a leitura que faz evoluir a alma, enriquecer a mente. Não é o que acontece atualmente com muita gente lendo um livro, uma revista, ou diante do computador, sufocados de informações que mal podem digerir? Amplo o acesso aos livros, que abarrotam as livrarias e bibliotecas, a maioria best sellers.
As almas cada vez mais sedentas nesse mundo maravilhoso em que vivemos atolados de tecnologia e informação, onde num simples toque estamos conectados, recebendo e mandando mensagens através das redes de relacionamentos na internet. Outra leva de vândalos querendo invadir nossas vidas, nossas almas, desalojar-nos de nós mesmos? Empreendemos uma viagem coletiva na internet, aventura cada vez mais sedutora. Nas páginas dos livros nossa mente faz outro tipo de viagem como navegador solitário. Com o verbo se faz gente. Mas, na tela virtual, Narciso muitas vezes está ali para ver sua imagem refletida no lago. 

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