terça-feira, 31 de dezembro de 2013






                  REMINISCÊNCIAS: RUA DAS HORTAS Nº 436.

           


           


            

          Não víamos o casal desde quando foi nosso padrinho de casamento. O tempo havia passado, e esse encontro, por acaso, transportou-me à casa onde passei infância e juventude, vizinha dos amigos, que contaram ter acabado de se mudar para um apartamento na praia. Haviam residido por quase meio século no mesmo endereço, onde namoraram, casaram, criaram os filhos. A propriedade herdada pela mulher eles venderam, “o preço irrisório”, disse o marido contrariado, pois a morada-inteira de azulejos na Rua das Hortas, em frente à praça Odorico Mendes, faz parte do tombamento da cidade. Depois de tantos anos esse encontro reascendeu em mim a saudade de nossa meia- morada na mesma rua, de número 436. Logo imaginei quão deve ter sido cômoda a situação deles, a vida toda no mesmo endereço, até com uma ponta de inveja. Diferente da nossa vida, algo a nos impulsionar, e lá íamos nós, sempre em frente. Estávamos matando a saudade de S. Luís.
       Lembrei da nossa casa que foi praticamente abandonada pelos moradores, coitada, até ser vendida por meus tios, os herdeiros.  A casa antiga fora reformada para bangalô, o que aconteceu antes do tombamento, e pôde sofrer nova reforma para uma elegante moradia de dois andares, hoje uma clínica médica, como verifiquei através do satélite. O local privilegiado, a poucos passos da Biblioteca Pública Benedito Leite, na praça do mesmo nome, construída na década de quarenta em estilo neoclássico, em convivência harmônica com o casario colonial. Meu tio João, ainda solteiro, esperava ficar rico para assumir compromisso mais sério com a namorada, foi para o Rio, o primeiro a deixar a casa. Quantas vezes em sonho estive naquela casa, naquela rua, quase pesadelos. Noites escuras, ou dias claros, onde me vejo entre escombros, certamente das demolições para as construções de novas casas que surgiam, ou mesmo reforma das antigas, tornando-as moradias ajardinadas. Escombros que eu vejo hoje em São Luís, em consequência do tombamento, pois os antigos moradores ficaram sem recurso e sem interesse para a conservação do patrimônio universal, que se vê em ruínas, uma tristeza. Hoje a situação é, pois, de abandono da parte tombada da cidade. Outra cidade cresce pujante do outro lado da ilha.
         Minha infância e juventude estive ao lado da avó Carminha, que eu via expressar seu carinho pela natureza naquele pequeno jardim na casa da rua das Hortas, seus belos cravos de um amarelo intenso, as azaleias dando ao muro um aspecto encantador. Essa avó tinha a educação como prioridade, e mantinha os netos, sob seus cuidados, matriculados nos melhores estabelecimentos de ensino. Não media esforços para dar a meu irmão e a mim o melhor - o afeto, em primeiro lugar. Sempre bem informada, através dos livros, pelo rádio, nas revistas que o neto comprava para ela, em conversas com as freguesas de doces e salgados para festas. A origem portuguesa lhe dava respaldo na atividade. Uma mulher invejável, viúva ainda jovem, que lá para o fim da tarde, depois de um dia intenso de labuta em seu fogão à lenha, o ouvido estava grudado no zumbido do rádio. O rádio quase instrumento de guerra e o centro das atenções na casa, onde eram acompanhadas as vitórias dos aliados no segundo e último conflito mundial do século XX. Ninguém podia imaginar um dia estarmos todos diante da TV e do computador, vivenciando o espetacular progresso humano, também uma nova barbárie. As guerras, por exemplo, que não deixariam de acontecer, vistas no momento mesmo em que acontecem. Hoje, do mais pobre ao mais rico, em qualquer idade, todos de telefone celular em punho, objeto imprescindível na comunicação moderna, imediatista e ansiosa. O mundo que muda a cada passo, e que se torne bom para todos. 
        Para o papa Francisco os avós são uma bênção de Deus!  

                   FELIZ ANO NOVO!

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