quarta-feira, 14 de janeiro de 2015




                                  
                                     TUDO SERÁ PERDOADO

 

         


 

               Não são de hoje as dissidências entre povos, atualmente a Europa em estado de prontidão contra o terrorismo. Cresce a islamofobia, o antissemitismo e ataques ao catolicismo em sua origem. A onda de preconceito que varre o Ocidente, como também o Oriente, principalmente contra a moral de uns, que seria incompatível com a de outros e suas liberdades. Os europeus queixam-se dos estrangeiros, com poucas chances de serem absorvidos. Seria tudo isso, ou nada disso, a causa dos atentados perpetrados por extremistas islâmicos no último dia 7 de janeiro em Paris à revista Charlie Hebdo e ao supermercado judaico Huper Casher,ao todo foram trucidadas 17 pessoas, entre eles os 4 maiores cartunistas da atualidade. Todos mortos à queima-roupa, por esses animais, que carregam ódio mortal ao oponente. Terroristas apenas, e não como eles dizem, adeptos de uma fé que, na realidade, repudia tais atos. Os extremistas assassinos sem fé,  educação, sem nada. Uns loucos!

           Bem verdade que a ocasião é imprópria para críticas tão azedas, quanto as da revista francesa, que critica as religiões, quando elas sofrem uma onda de preconceito, atitudes que os líderes do terror aproveitam para atiçar o ódio daqueles que só querem ver a desgraça. Para os mulçumanos radicias, Maomé não pode ser retratado, muito menos sua fé criticada, e ponto final. Mas não há como aceitar que se mate em nome da fé. O intuito de domínio e de mais e mais poder, o que fazem através da intimidação, do medo. Os católicos também atingidos pelas críticas da revista, e não se enfurecem, apenas protestam. A nova capa do Charlie Hebdo continua mexendo no vespeiro e traz a figura de Maomé. Bom que seja sem timidez, mas no sentido de conciliação, a charge menos agressiva, mesmo assim corajosa, onde aparece o Profeta com uma imensa lágrima na face e carregando a frase adotada mundo afora, “Je suis Charlie”. Palavras de  solidariedade para com as vítimas do terrível atentado. Encabeçando a charge da capa lemos a frase: Tout est Pardonné. Tem gente que não gostou, de um lado e do outro.

 

          Vermeer tem algo a nos dizer sobre as antigas dissidências entre Oriente e Ocidente.      

         No quadro Moça com Brinco de Pérola pintado por Jean de Vermeer em cores luxuriantes  dá crédito à cultura oriental, em especial à ortodoxia religiosa. Além de ser uma homenagem um tanto irônica que o mestre de Delft faz ao Islã ocidental, terminada a ocupação mulçumana. O Oriente em  parte responsável pelo movimento de renovação que ocorreu no Ocidente, inclusive, o Renascimento. Grande a efervescência cultural na Espanha islâmica, centro de discussões eruditas, de estudo e leitura, pleno de poesia cortesã, onde o número de livros era muito superior ao de volumes das maiores bibliotecas do Norte. Por tudo isso havia disciplina  e tolerância entre as crenças, numa convivência pacífica. Sendo  Vermeer um cristão reformado, podemos observar, pois, a ironia doartista, que pinta uma moça ocidental travestida de oriental, criação de um mestre, cuja intenção, em especial, é informar, educar, instruir, o que é típico da arte barroca.
        A luminosa figura feminina  parece saltar da escuridão das trevas  medievais. “Às trevas do Ocidente trazem os irmãos a luz do Oriente, e aos rigores do fim das Gálias o fervor religioso do antigo Egito, por um viver solitário, espelho do tipo de vida do céu.” Palavras ditas por Giullaume de Saint-Terry ao amigo São Bernardo. E como declara em público o abade Alcuíno, expoente da renascença carolíngia: “Grécia e Roma antiga não possuíam a pérola de maior valor que era a fé cristã”. O Ocidente necessitando de se  recristianizar, o que de início acontece através da ortodoxia espiritual, representada pelo brinco de pérola da Moça, que ainda leva na cabeça chamativo turbante. Uma peça masculina que o pintor coloca com ousadia artística sobre a cabeça da nossa “oriental”. A parte posterior do turbante em forma de coque de seda, parcialmente desfeito, na cor ouro antigo, o ouro do conhecimento que jorrou do Oriente para o Ocidente. Na realidade, um rolo compressor, e que se desfaz. Completa o adorno uma faixa em azul, dando ideia de mar, as ondas formadas pelo tom mais escuro do azul. O mar por onde navegam os europeus de cá para lá e de lá para cá, chamado de mar tenebroso. Ainda o azul da religiosidade Mariana que haveria de se perpetuar no Ocidente, após a separação das igrejas do Oriente e a do Ocidente, em 1054.

            A pintura de Vermeer nos remete ao célebre medalhão de  Constanzo da Ferrara, cunhado em bronze para divulgar o poder do sultão Mehmed, que passeava com desenvoltura pelos dois lados do mundo, e fez de Istambul um centro de estudos ptolomaicos, que influenciou  Copérnico. A escultura colocada a serviço dos poderosos, do poder masculino, ditatorial. Mas o momento é outro, o metal substituído por papel e tinta, para melhor facilitar a comunicação e promover a palavra escrita, o progresso da civilização ocidental. A intenção da escrita e da pintura diferente da escultura. O cultura oriental ainda no predomínio da oralidade, afeito ao poder ditatorial, à crueldade, ironizada por Vermeer na sua pintura. Os lábios entreabertos da Moça parecem balbuciar algo, e sangra, por falar de uma civilização sanguinária, que em sua despedida estaria lançando impropérios contra hereges, escravocratas, anunciando castigos. Parafrasear maldição era costume em Bizâncio, no enfrentamento entre heréticos e ortodoxos. Ou a moça entoa o Kyrie Eleison para entrar em estado de contemplação, uma das chamadas coroas místicas da igreja bizantina? Ou salmodiando? E quem sabe profere a prece canônica do islamismo: Allah hu’ Akbar (Deus é grande)?         

         O Ocidente havia evoluído em direção ao progresso, contando com a fé reformada, livre do obscurantismo, emperrando o progresso no Oriente, que ia ficar para traz. Avança, pois, o Ocidente em direção à modernidade, sendo de importância capital a ética protestante, bem como a dialética jesuítica. O que sempre será, haja vista as iniciativas  do papa Francisco, que parece querer recristianizar a fé católica. No passado os monges ocidentais haviam recebido auxílio do sábios árabes, mas evoluíram em conhecimento, ao se dedicarem aos estudos, à leitura e escrita, o que passaram aos seus adeptos, capacitando-os para ciência e tecnologia, como ela veio a se desenvolver no Ocidente. Mestres na escrita tornaram-se os monges também pioneiros na agricultura, na astronomia, na economia, e tudo o mais, que fará avançar o Ocidente em direção ao progresso, contando com a fé reformada.

      Conclusão  - O obscurantismo que emperrou o Oriente no passado e ainda sobrevive no presente, em especial, nas células terroristas que infernizam o Ocidente, como acaba de ocorreu no atentado em Paris. O mundo moderno, avançado, racionalista, mundo globalizado, mas que vive um momento crucial, difícil, com problemas  a serem superados. O caso do materialismo, a descrença em tudo e em todos, onde grassa a maldade.  O papa Francisco, aposta, todavia, na convivência pacífica entre as diversas formas de cultura, de crenças, que tem uma origem comum de paz e fraternidade. Como disse o papa em sua recente visita ao Sri Lanka: “ É preciso vencer as desconfianças.” Diferença há, que devem ser respeitadas, para que haja entre os homens de boa vontade uma convivência fraterna, para que o bem vença o mal.

 

      

 

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