quinta-feira, 25 de janeiro de 2018


MINICONTO


                  
                          SONHA DEIA!






     

 Deia compartilhou os oito primeiros anos de vida com uma tia, irmã de sua mãe, e a menina escutava a tia falar coisas importantes. Até que um dia lá se foi a tia. Mas o casamento não deu certo, e a tia voltou para casa. Disse então para a sobrinha que a vida dava ”tapa na cara”. Não demorou a tia arrumar outra vez a mala, e antes de partir pela segunda vez falou para a sobrinha que a pessoa tinha de evitar, ou contornar, uma situação difícil, em respeito à vida e também aos mortos, herança recebida, e não há vida, nem morto algum que não inspire respeito.

A satisfação que a pessoa deve ter pela vida, e que se  ratifique a herança, e as ambições sejam retificadas em seu benefício e da coletividade. As demandas individuais dos primeiros anos de vida estendem-se quase ao infinito. E a menina Deia nada tinha ainda que retificar, só ratificar seus sonhos. Sonha Deia! Dizia a tia, muito sábia, mas avisava que a sobrinha podia alcançar o que queria, sim, mas para concretizar seus desejos tinha que ter os pés firmes na terra, como ela, depois daquele grave erro. E não faltassem nunca motivação para a pessoa continuar, e até mesmo ter que arrumar motivo para aumentar suas expectativas.

 A tia de Deia contou para a família que se sentia na outra casa como uma passageira clandestina ou mesmo uma prisioneira, e a intenção dela era valorizar o contrato social, e ter respeito, o que era impossível fazer numa tão precária situação. Inimigos sempre estão à espreita, prontos para atacar, seja por ciúme, inveja, desprezo. O que a família e a coletividade exigem de cada membro é o interesse não egoísta, e se possa confiar individualmente nas instituições. “Não dar a outra face para o tapa”, falou a tia para a sobrinha na última vez em que se encontraram, e acrescentou: “Não engrosse a maré do descontentes, que afrontam a vida em um mundo desalmado” — ela prestes a deixar a família pela terceira vez, dessa vez vítima do mal de Alzheimer.        

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