segunda-feira, 9 de abril de 2018

A crença e a descrença, por Rolando Boldrin



ROLANDO BOLDRIN  APÓS O CONTO DA BLOGUEIRA

CONTO 
       CRENÇA E DESCRENÇA





Dois tios da menina: um com sua fé inabalável em Deus e nas pessoas; o outro descrente de Deus e de todo o mundo. Moradores do interior, costumavam visitar a irmã e cunhada na capital, trazendo consigo duas visões distintas de vida. A sobrinha ficava meio confusa com esses dois tios, um da parte da mãe e o outro de pai. O que se dizia indiferente quanto às intempéries da natureza, nas horas de aperto apelava para o seu glorioso são José. Já o outro acompanhava a tese de Espinosa que” Deus é a natureza”, e formou-se em agronomia na capital.

Joca, o crente, ficou arando as terras da família, com seu parco conhecimento  sobre o plantar e colher,o que dava bem para o gasto, mantendo a contento sua família. Para que mais? Tratava de dirigir preces a Deus nas enchentes, assim como na seca inclemente. Sem conta as safras que perdia por não poder saber mais sobre o tempo, mesmo assim louvando o bom tempo que lhe dava alegria quando enchia o paiol. Não, não bastava, tinha que saber e ter muito além disso, pensava Eudes, o tio descrente.

Na cidade, em um dia bonito de sol, bom para passear, lembra a menina do tio Joca olhando pela janela a prever chuva, e não seria um desmancha-prazeres, pela fé que tinha, e a sobrinha gostava de vê-lo narrar os milagres acontecido em suas terras, e com aquela feliz gente interiorana. Não via graça na cidade grande, e sim no lugar onde morava, feliz com suas terras, seus bichos, seu sol, sua chuva, são José na capelinha, que a mulher erguera ao lado da casa.

Um espanto ver os dois juntos, tão diferentes no modo de ser. Perguntava o pai advogado agnóstico da menina, que se fazia de advogado do diabo ao perquirir o cunhado crente:” A colheita esse ano, como vai?” Recebia a resposta que não ia muito bem, devido à seca, e explicava: “A natureza não ajudou”. E concluía de imediato: “Mas com ajuda de Deus a coisa vai melhorar”. Recebia a contradita da descrença: “E onde estava Deus quando perdeste tua safra? “Foi por conta de gente que não confia mais no poder divino, e recebe castigo”. Findava-se ali a questão.


O tio Eudes formou-se em agronomia e através dos seus conhecimentos acabou por tornar-se um grande agricultor, logo dono de agronegócio. Enquanto o tio Joca continuou no seu arado, sem as grandes preocupações que tinha o outro, isso não era com ele, tudo o mais era ganho. O rico tio Eudes sempre preocupado com suas perdas e seus ganhos, e já colocara pontes safenas no coração, desde que a primeira mulher se separou e foi viver na Europa às suas custas. Certo que viver da terra não é fácil para ninguém. Sofrido sim, mas viver sem Deus no céu é ainda pior, pensava o Joca, ainda com a primeira mulher, e com os três dos seus nove filhos estudando na capital. E a vida continua como tem de ser para cada um...     





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