quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020



CONTO




                   PACTO DE AMIZADE





Marina reflete sobre o fato de ter sido excluída por Celma do seu rol de amigos no Facebook. Foram amigas do colégio, e não se viam pessoalmente há muito tempo, até se encontrarem nas redes sociais. A exclusão significava que as duas iam deixar de trocar mensagens e ver as fotos que postavam,  tinham apenas iniciado a amizade virtual. Um carnaval de ideologias permeia as redes sociais, onde são comuns as dissidências entre seus radicais defensores. Para melhor entender sua exclusão, a conservadora Marina resolve convidar Celma, esquerdista de carteirinha, para um encontro no café perto de sua casa, em frente ao mar. Foram chamadas Luíza e Andrea, também antigas colegas dos tempos escolares, encontradas nas redes, e que permaneciam fieis em suas curtidas no face.

Marina chega ao local no dia e hora combinados, vê uma senhora sentada na mesa de canto, e logo percebe que ali está sua principal convidada,  olhando distraída para o mar. Aproxima-se e fala sem rodeios:

— Não é surpreendente que estejamos frente a frente depois de tantos anos, e ainda mais, que eu esteja aqui para lhe propor um Pacto?

A outra volta-se, e mesmo intrigada com a palavra pacto, abre seu melhor sorriso, também estende os braços para a recém-chegada, enquanto responde:

—Pacto? Depende do que você propõe.  
Em seguida chegam as outras duas antigas companheiras de folguedos da infância. A alegria é a mesma. Cumprimentos feitos, antes de darem continuidade à conversa, pedem o café, com os biscoitinhos da casa. “Os mais deliciosos biscoitos que já comi”, Marina avisa, e toma de volta a palavra:

—Não vim aqui para provar que estou certa. Mas sei que não vale a pena dar rasteira, nem chutar a canela do adversário. Diante dos debates atuais, ultrapolarizados e superpolitizados, o melhor que se faz é um pacto. O que lhes proponho nesse momento, um Pacto de Amizade. Deixemos de lado o que nos separa e procuremos saber o que nos une, os valores que cultivamos, o que podemos aprender umas com a outras.

Luíza fica animada, fala com um sorriso radiante, o que é sua característica:

—Concordo, Marina, a falta de entendimento e boa vontade tem dificultado a paz no mundo, provocado guerras, a começar entre as pessoas. Há divergências que parecem intransponíveis, quando temos simplesmente de procurar o que há de fundamento nas ideias que não são nossas.

Andrea logo está com a palavra:

—Não querer ser a dona da verdade, jogar pedra no adversário, atirar a esmo, o que é tão comum no presente momento de radicalização. É melhor que as pedras fiquem de fora, as armas estejam recolhidas em local seguro. Afinal, estamos em tempos de paz ou de guerra?

Marina está outra vez com a palavra:

— Tem gente que gosta de impor suas ideias, e ainda exige silêncio aos demais. Há também quem acredite que conversando é que a gente se entende, o que significa mais respeito e diálogo. É bom saber que as pessoas percebem as coisas de forma diferente da nossa, o que depende de muitos fatores, ou seja, o lugar de origem de cada um, como vive,  a educação que recebeu, a fé que professa. Vejam vocês como a coisa é complexa, e ainda hoje  ignoramos tudo isso, desprezamos quem não pensa igual a nós. Por trás das boas ideias há fundamentos morais onde certamente podemos nos encontrar, e perceber, de antemão, os absurdos espalhados por aí, que fatalmente causam cruciais desencontros. O fundamental não pode ser contestado.

Celma esperava a fala da amiga que excluiu de sua amizade na rede social para se manifestar:

— ...E que se rompa com todo e qualquer radicalismo. Tem a pessoa, por temperamento, que é mais capacitada para o diálogo, mas é questão de aprendizado, de abrir canais para o saber que não é nosso. Opinião é opinião, razão é razão. E a razão nos informa que devemos aprender uns com os outros. Ter em mente o que o outro valoriza é um passo decisivo para o entendimento. Peço desculpa a Marina pela exclusão.

Marina conclui:

—Eis o Pacto, queridas amigas, Pacto de amizade. E pelo que conversamos, estamos todas dentro, não é mesmo? Não mais essas brigas tolas, que desconstrói, e continuemos com esse nosso construtivo diálogo. Podemos continuar amigas, para sempre, mas nosso pacto é de amizade, o que requer melhorarmos sempre. Quanto ao mais, inclusive, a política, é pensar nas próximas eleições. Que vença o melhor candidato, ou a melhor candidata. 

Por algum tempo, as quatro amigas ainda permaneceram ali conversando, até se despedirem, depois de combinarem o próximo encontro.  

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