sábado, 22 de fevereiro de 2020






                   AMOR E CORAGEM





Joana acordou, ainda meio aturdida, sem entender bem porque estava naquele quarto estranho, a cama larga, mas dura. Era a segunda noite longe  de casa, o que acontecia a primeira vez em sua vida. Dormira como uma pedra, que os dias anteriores foram extenuantes, provas de fim de ano e a festa de formatura do segundo grau, com direito a retrato no quadro que a mãe fez questão de colocar em destaque na parede da sala.

Não fazia ideia de quanto tempo passaria longe de casa, ia esperar ansiosa a passagem de volta, não sabia quando. Sua mãe achara por bem que sua filha devia conhecer os parentes em Alagoas. Joana via pela primeira vez a esposa de seu tio, e ouvira alguém dizer que ela não tinha grande afeição pelos parentes distantes. De antemão, a tia Olga parecia desconfiar da moça que chegava a sua casa,  “disque” diplomada.

Bem, melhor evitar preocupação, deixar o tempo correr, pensava Joana. Lembrou as palavras da sua professora de religião: ”A cada dia sua aflição.” Não devia atrasar-se para o café da manhã com os tios. Teria outra vez aquele ovo frito com a borda queimadas e gema dura? Preferia cozido como faziam em sua casa. Prontamente contestada:

—Ovo cozido na água, fervido? Não mesmo, e digo mais, gosto não se discute.

Acontecera no dia anterior. Dessa vez a tia aguardava a sobrinha sozinha, sentada na cabeceira da mesa, repleta de patês, bacon frito, e o tal ovo tostado. A dona da casa acostumada a viajar para os States, ia todo ano a Las Vegas, de onde importou o cardápio. Um mingau de aveia seria muito bom, mas paciência, o que Joana logo percebeu que devia ter, e muita.
O café terminou cedo demais, conversar era o que aquela tia não queria, sem a devida curiosidade para com a sobrinha recém-chegada. E logo que viu a mesa vazia, pegou o baralho na gavetinha de um móvel e começou o seu solitário jogo de paciência. Paciência , o que parecia querer insinuava, com aquela garota boba ao seu lado.

Joana pensava no tio, a política lhe caia bem. Era uma pessoa educada, mas com o sorriso um tanto sarcástico. Perfeito para combinar com as sobrancelhas erguidas da sua mulher, davam até medo. Calma e mimada, segura na sua situação de filha única, Olga abusava disso, com seu comportamento de quase terrorista, a quem só faltava oportunidade para atacar. Ninguém ousava contrariá-la.

Só via uma saída para Joana, conformar-se com a situação. Mais um longo dia à frente e mais outro e outro.  Estava com um diploma na mão, e seria bom que pudesse organizar os dias de forma a não apenas deixar o tempo passar? Talvez ela devesse considerar aquele período como de reflexão. Algo semelhante a um retiro espiritual, como costumava fazer no seu colégio de freiras. Um longo retiro de trinta dias, ou mais, pensou.

Mas como sentir-se motivada espiritualmente naquela casa. A pessoa ao lado entretida no carteado, quando não estava na rua fazendo compras. A tia, sem meias palavras, falava para a sobrinha: “Não se ponha satisfeita demais com você mesma, Joana”. Também era lembrada da sua condição: “Pense em seus pobres irmãozinhos, que não estão tendo a mesma oportunidade que você!” Mas Joana não esquecia as palavras de suas queridas mestras: "A alma que se eleva eleva o mundo. "

Ao contrário do que sua tia dizia, Joana sempre pensava nos outros, nunca se colocava à frente dos demais, e se estava ali não era por vontade própria, e não via privilégio nisso. Podia estar tendo uma boa oportunidade, mas era muito jovem, apenas dezessete anos, a vida mal começara, e podia estar, sim, vivendo um bom momento da sua vida. Mas tinha certeza que outros viriam ainda melhores, para ela e para seus familiares.

E assim se passaram trinta dias. Joana já estava pronta para retornar quando recebeu notícias de casa, que seus irmãos mais velhos estavam vivendo momentos difíceis de brigas com seus cônjuges, e podia resultar em separação. Um período difícil para a família na terra natal. Fora do olho do furacão, Joana via a família com outros olhos. Aparentemente tranquilos, Clodoaldo e Conrado  revelaram-se obstinados ao casarem com pessoas, consideradas inadequadas. 

Mesmo que seus irmãos fossem santos, sabe-se que os santos têm suas paixões. E sendo humanos, como tal, estavam vivendo suas emoções, apaixonar-se e sofrer. Diferente a intenção de Joana, que também resolveu se arriscar. Tinha recebido uma proposta de emprego garantido no Rio, onde tinha uma tia querida de sua mãe, não ia desistir. Com coragem redobrada ia em frente, assim como os irmãos levaram seus casamentos corajosamente adiante. Uma vez que seja, a pessoa tem que se arriscar para fazer as coisas acontecerem. 

Fundamental é receber a vida com amor e coragem.

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