segunda-feira, 14 de setembro de 2020

 

 

 

                          EVA  E FAUSTO



 

Eva parecia a única pessoa no mundo que não tinha com que se aborrecer, sem motivo aparente para ficar triste. E nem chorar conseguiu naquele dia, diante do marido a lhe dizer que ia embora. Ela sabia que o casamento exige renúncia, paciência, o que desde cedo aprendeu com os membros femininos da família. O irônico da situação é que o casal parecia perfeito, mas o caso acontecia quando ainda estavam em lua de mel, e ele resolveu por brincadeira exibir fotos recentes com amigas na cidade vizinha, onde trabalhava, e pretendia morar após o casamento.

Irritado com o ciúme da mulher, Fausto saltou da cama e dirigiu-se para a porta, que abriu num rompante e saiu. Mesmo estupefata, Eva simplesmente virou de lado e dormiu. Tinham acabado de deitar, ela ainda exausta com as provas de fim de ano, estudos que concluíra com louvor. Mais duro ainda o trabalho que tivera com os preparativos do casamento e sua realização, dois dias antes. O sono profundo, só acordou no dia seguinte. Viu que o marido não estava na cama. Teria sido  mesmo abandonada?

Não demorou muito o recém-casado surge com passagens de ônibus para um passeio turístico, distante alguns quilômetros do centro da cidade. Partiram em silêncio, e assim que chegaram à praça central de S. José de Ribamar chamou-lhes atenção o brinquedo gigante ali montado, de aparente inocência. Um surto de alegria infantil, e logo estavam cada um sentado na sua cadeira, presa por longas correntes ao topo de um mastro. Motores ligados, não demorou veio a surpresa, voavam   nas alturas, sem a menor segurança, apenas as mãos segurando o braço da cadeira.

Findaram o passeio na igreja para agradecer a graça de estarem vivos e jurarem mais uma vez amor eterno. Aquele momento de susto que experimentaram teria selado o compromisso assumido ao pé do altar. Iam viajar na madrugada, um apartamento novinho em folha os aguardava, bairro nobre, alugado ao noivo pelo construtor e colega de direito, proprietário do lindo prédio de dois andares, ainda vazio. Coube a ele escolher o melhor, de frente e no nascente.

 Nem tudo são flores, há as pedras no caminho. Àquela moça sempre foram dadas oportunidades de uma carreira profissional, mas ela optou por casar, certa de que havia encontrado o homem dos seus sonhos.  A vida guarda não apenas boas surpresas, também ruins. Os filhos não vieram como previsto, nem viriam jamais, a certa altura parecia que ambos tinham perdido a vontade de tê-los, satisfeitos com sucesso profissional que obtiveram. A mulher resolveu continuar os estudos  e o bancário realizar seu sonho de juventude, ser médico.

O tempo passa, já estavam morando numa bela residência,  construída do outro lado da ponte, para onde a cidade cresceu, os empreendimentos valorizados. Fausto especializa-se em pediatria. Os filhos não lhe saiam da cabeça. Seria ele o culpado por não tê-los? Melhor conferir, e o fez com a engraçada enfermeira, que sempre encontrava no plantão. Nasceu o primogênito, e veio mais outro, mas com outra enfermeira. Esses últimos fatos narrados pela atendente do consultório do Dr. Fausto ao amigo, que veio visitá-lo, depois de longo tempo sem se verem. Ela concluiu:  

—O doutor é um “galinha”, a esposa aceitou apenas o segundo filho, afinal da primeira decepção ninguém perdoa. Há pouco tempo dona Eva comunicou ao marido que ia deixar a casa.  Alegou que os pais estavam precisando dela na fazenda, ia cuidar deles e dos negócios da família. Ele ainda tentou conversar, mas parece que já não havia um bom clima entre os dois, ou nunca houve.

Um círculo que se fecha, a serpente mordendo a própria calda, vocês não acham, caros leitores?    

   

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