segunda-feira, 25 de dezembro de 2017



                                               
                        HAGIOGRAFIA MÍNIMA




              
          Nascidos de carne e osso, os santos vivenciaram dores e alegrias, do nascimento à morte, como qualquer um de nós. Mas, diferente de você e eu, alçaram as alturas no ideal cristão que abraçaram, fé que os fizeram plenos de graça e chegarem aos altares, após testemunho dos milagres concedidos por sua intercessão. Os santos constituem um legado da igreja católica aos seus fiéis, que a eles recorrem, para os acudirem em suas fraquezas, seus medos. Não se trata de idolatria a devoção aos santos. Cria-se um vínculo entre os santos e seus devotos, que podem escolher o intercessor para que os acuda em momentos particulares de angústia, ou na busca por elevação espiritual. Não confundir os santos com gurus, psicólogos, nem procurar  seus ensinamentos em livros de autoajuda. Tem que vivenciar a crença verdadeira em Deus e acreditar na capacidade humana de superar a dimensão trágica da existência para alcançar estágio mais elevado da vida terrena e gozar a paz eterna.  
         
        Há os santos doutores da igreja, como Santa Tereza D`Ávila, canonizada em 1622, conquanto outros, não canonizados, também gozem de grande prestígio. Alguns esquecidos no tempo e que retornam, a depender do local em que, de algum modo, são chamados às batalhas terrenas. A seguir cito algumas santas, que adentraram as esferas celestiais, tendo ultrapassado a tibieza humana. Mulheres extraordinárias, a começar por Santa Eufêmia, nome que vem de eufonia, que significa “som agradável”, ou “boa mulher”. Filha de um senador, foi com grande pesar que soube das perseguições sofridas pelos cristãos no tempo de Diocleciano, e resolveu ir até o juiz Prisco para confessar publicamente sua fé cristã, sendo aprisionada e martirizada. Dos suplícios  por que passou saiu a santa ilesa de todos, como conta Santo Ambrósio em famoso escrito: escapou da fornalha ardente, reduziu a pó as pedras atiradas contra ela, amansou feras, até que achou por bem sucumbir traspassada por uma espada, indo juntar-se ao coro celeste.  
      
       Santa Catarina (d.c.300), nasceu em uma família nobre, e tornou-se uma jovem instruída em todas as artes liberais. Admirável pela sabedoria e eloquência, exprimia-se com  belas palavras e clareza raciocínio, sendo eficiente e hábil na conquista daqueles a quem se dirigia. Herdeira de pais de grande fortuna “Catarina com dezoito anos de idade vivia sozinha em um palácio cheio de riqueza e de escravos”, o que se dizia. Mas nunca sucumbiu à abundância que amolece, nem à liberdade que tinha para fazer o que queria, não lhe faltando oportunidade para pecar. O que fez como boa cristã foi ir em defesa dos irmãos de fé ameaçados de morte em Alexandria, por não adorar os ídolos pagãos. E ao enfrentar o tirano Maximino foi mandada para o suplício. Admirável em seus privilégios, inclusive na hora da morte, como muitos santos supliciados, do seu corpo santo decapitado jorrou leite em vez de sangue.
      
         Estamos em pleno Renascimento, acabaram-se os martírios, quando então  surgiram exemplos de santidade, que brotaram do espírito de solidariedade cristã. Santa Ângela de Merici (1470-1540) nasceu às margens do lago Garda, em Desenzano. Órfã aos treze anos, e sentindo-se penalizada ainda mais por uma ordem social acentuadamente masculina, resolveu ir em peregrinação à Terra Santa, onde teve  uma visão de uma escada por onde jovens mulheres subiam rumo ao Céu. Com a inspiração divina fundou em 1535 a Companhia de Santa Úrsula, para a instrução laica e religiosa das meninas para que pudessem assim escapar de um destino de subordinação. Essa foi a primeira escola feminina na Itália. Através da santa o espírito renascentista da confiança no saber e no conhecimento promovia consciência, emancipação e igualdade nas mulheres.  
      
       A renúncia ao casamento e o convento foram para muitas mulheres imposições familiares, quando não lhes era concedido o devido respaldo da sociedade machista, para elas existindo “lugares de recolhimento e de refúgio para situações adversas, até conflitos com o marido e ameaças de parentes ou situação de perigo da própria honra”. O espirito de solidariedade cristã para com essas pessoas desamparadas foi que moveu Santa Francisca Romana (1384-1440) a fundar uma congregação, que recebeu o nome de Oblatas Olivetanas de Santa Maria Nova, depois de ficar viúva. A santa nascera numa família abastada no bairro romano de Parione, e sua congregação arregimentava mulheres dispostas a empenhar-se a fundo nas questões sociais no contexto urbano e sua gritantes contradições.
      
        Inúmeras ordens religiosas foram fundadas no século XIX por iniciativa feminina, que de início visava apenas dar assistência aos doentes, mas logo surgiram muitas instituições criadas para tratar os problemas das mulheres pobres e trabalhadoras. A emancipação feminina tornava-se questão das mais relevantes na sociedade, até os nos tempos atuais. Na época uma abertura avançada, a solidariedade do sexo, que fez Madalena de Canossa (1774-1835) fundar a ordem Filhas de Caridade em 1808, em Verona, para assistência hospitalar e também cuidar da educação e instrução das jovens. Já Maria Josefa Rosselo (1811-   ), que não era tão afortunada quanto a jovem anterior, mesmo assim, empenhou-se em fundar com duas companheiras de fé as Filhas de Nossa Senhora da Misericórdia, para dar hospitalidade à jovens negras resgatadas  da escravidão, dentre outras iniciativas.

        Uma geração de mulheres essencialmente devotadas à assistência, à instrução e às missões, entre os séculos XVIII e XIX, teve triste encontro coma Revolução Francesa, que investiu contra a religião católica  com especial violência. Desses tristes acontecimentos destaca-se o martírio das 16 beatas Carmelitas de Compiège, acusadas de fanatismo pelo tribunal revolucionário de Paris e guilhotinadas em 17 de julho de 1794. Na guilhotina também morreram as onze beatas ursulinas de Valenciennes , condenadas, também em 1794, por terem reaberto sua escola apesar da proibição imposta pelos revolucionários. 
        
        Depois da unificação da Alemanha em 1871, o “chanceler de ferro” Otto van Bismarck atacou a autonomia católica, e estabeleceu um rígido controle das instituições educativas. Muitas ordens religiosas foram expulsas do território alemão, como a Ordem das Irmãs Pobres das Escolas de Nossa Senhora para a educação de moças fundada pela beata Maria Teresa de Jesus Gerhardinger (1787-1879). O banimento que também sofreu a ordem da Irmãs da Caridade Cristã criado para dar assistência aos pequenos cegos e à juventude em geral. Vítimas da fantasia teutônica  de uma superioridade racial e cultural, que ia dar no gênio do mal que foi Adolf Hitler. 

      Tantas outras mais santas mulheres, filhas de Maria, mãe de Jesus, que neste 25 de dezembro celebra-se o nascimento ocorrido há mais de dois milênios. E cada vez mais o mundo necessita da fé cristã, que redime e eleva o ser humano. 

Bibliografia: 
Legenda Áurea, Jacopo de Varazze. Companhia das Letras, 2003. 
Dicionário dos Santos, Jorge Campos Tavares. Lello&Irmãos- Editora Porto, 1990. 
Os Cinco Minutos dos Santos, J. Alves. AVE-MARIA, 2002. 
Santos e Beatos, de ontem e de hoje. Globo, 2003.  

                

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