segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018







                                    O  CONCERTO







               No século XVII as mulheres já podiam ser apreciadas no exercício individual da leitura, da escrita e da música, como as retratou Vermeer de Delft.  A moça da viola, por exemplo, é uma nobre que ainda vivia no campo, enquanto nos grandes burgos medievais as mulheres da emergente classe burguesa passam a ter uma vida social e cultural ativa, para tanto desenvolvem pendores intelectuais e artísticos. No quadro O Concerto duas jovens da próspera burguesia  tomam aula de música com um mestre, ou um maestro, encarregado de ensiná-las. Ele está sentado de costas, o rosto oculto para quem de fora observa a lição, tendo à sua esquerda uma das moças ao piano, enquanto à sua direita outra moça canta, seguindo o que está no papel em suas mãos. 

             A  situação feminina tem expressiva mudança com a ida do campo para a cidade, quando a ala feminina passou a interagir mais efetivamente na sociedade. Apesar de aparentemente favorável a elas, o mundo não está para brincadeira, e duas telas penduradas na parede da sala de música dão sentido dúbio à cena  retratada por Vermeer, fazem contraponto com as damas. A vegetação escura, selvagem, ocupa a maior parte de uma das telas, e apenas um terço está em azul. A outra tela é um esboço de A Alcoviteira pintada por Dick van Baburen, que pertencia à sogra de Vermeer. Tem ainda uma paisagem campestre pintada no tampo do piano. O selvagem, obscuro, diz da fantasia teutônica, esboça a alma inquieta, como a do compositor Richard Wagner e sua música apoteótica, marco na época. Já o azul claro tem a ver com o mito de Orfeu. Para o orfismo o herói foi o primeiro homem a receber a revelação de certos mistérios divinos, e os teria transmitido a alguns iniciados sob a forma de poemas musicais. Os pungentes e harmoniosos cantos órficos, capazes de emocionar as divindades subterrâneas e iluminar as almas penadas.

         “O Orfeu”, de Cláudio Monteverdi (1607), foi a primeira obra lírica completa em teatros europeus, inspirada no mito de Orfeu. Já a apoteótica e extraordinária música de Wagner acabou por servir ao nazismo, que a utilizou como propaganda. Tragédia da decadência dos costumes, do declínio do amor e da moral no mundo moderno, previsto por Vermeer, ainda que o pintor aceitasse a modernidade e o progresso. Havia esperança de se poder sustar a barbárie através da fé e também da instrutiva arte barroca. Com o esforço de cada pessoa em particular e a capacidade da união para interagir no sentido da elevação da sociedade como um todo. A harmonia universal associada às mais nobres ações humanas, às melhores técnicas, aos sábios conceitos, em especial às artes, para enfrentar os percalços, amenizar as dores, até mesmo exorcizar os demônios, que teimam em infernizar a vida humana na modernidade. A descrença começou naquele século, naquele justo momento, conquanto nunca se tenha confiado tanto na capacidade do homem superar obstáculos e seguir em frente com o extraordinário milagre da vida humana na Terra.








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