terça-feira, 10 de setembro de 2019






                              REVELAÇÕES









A tio já havia posto tranca nas portas e janelas, e a tia na sala de jantar fechara seu livro.  Maria assistia TV com os primos, finda a programação, não demorou subirem para dormir. Ela estava há algum tempo na casa dos parentes, atingira a maioridade, e se sentia constrangida por ainda não ter conseguido emprego. Devia voltar para casa dos pais no Norte, mas ainda com a esperança que havia tudo de bom para acontecer. Em princípio, queria ter seu próprio dinheiro, e parar de ser um peso a mais  para a família.

Maria era uma menina ambiciosa e receptiva. Sua tia torcia para vê-la bem na vida. Tinha a solidariedade que precisava naquele momento, conquanto os tempos ainda não fossem os sonhados para as mulheres, e elas pudessem obter o merecido reconhecimento de seus dotes intelectuais, sua força de trabalho. Ela já tivera oportunidade de falar para a tia:

_ Desconfio que a senhora participou de algum desses movimentos sufragistas , não?
_ Poderia ter participado, sim, mas não tive oportunidade, as sufragistas se destacavam por defenderem direito de voto, ocorria  na Europa.
 
Nem sempre os planos saem como a pessoa quer, mas como tem de ser, e naquele dia Maria dormiu com a ilusão de que no dia seguinte tudo continuaria na mesma, e podia se considerar no lucro, se as coisas não emaranhassem. Foi despertada com alguém ao seu lado, pensou que sonhava, mas a visão era real, a mãe estava de pé olhando para ela.

 Dona Olga havia tirado uns dias de folga no emprego, deixou os filhos menores aos cuidados da outra irmã, e estava ali para ver a filha e também abraçar a sua irmã, Júlia, que não via há algum tempo. Já havia passado em S. Paulo para ver o filho mais velho, que trabalhava no BB, e acabara de ficar noivo de uma moça que ele conhecera numa aula de dança. Treinava os passos certos da dança de salão para não fazer feio nos bailes, apaixonou-se pela professora. Um jovem apaixonado, e a mãe estava apreensiva, mas nada contra sua escolha.

O ano de 1957 parecia desperdiçado por Maria, mas ela ia quase todos os dias à Biblioteca Nacional, oportunidade que tinha de frequentar ambiente tão lindo e especial. Lia de tudo, e ficara fascinada pela história de amor entre Napoleão e Desirée. Como não havia concurso à vista, ler era o que de melhor podia fazer, os empregos raros, principalmente para a ala feminina. Paciência! D. Olga percebendo o estado mental e espiritual da filha, falou-lhe:

— Acho que deves voltar a frequentar a igreja, a religião certamente pode te ajudar a encontrar o caminho. E você não se sinta uma pessoa vazia, com dores na alma, que trazem feridas ao coração. Saiba minha filha que a religião não pode ser destruída pelo estudo, nem o raciocínio - que é importante -, suplantar a espiritualidade cristã. Mas ao se desviar de Deus, ou negar Sua existência só temos a perder, e  nada   a ganhar.

Havia confiança entre mãe e filha, embora uma modinha infantil incentive a rivalidade: “Sianinha diz que tem um sapato de fivela. / É mentira, ela não tem, o sapato é da mãe dela. Hahaha, hahaha, o sapato é da mãe dela”. Mas para Maria a mãe fazia as coisas entrarem nos eixos.  Foram juntas à missa no domingo de Páscoa selar o amor filial e para com Deus. E fez mais, carregaram os mais novos para a igreja, sem se importarem em receber reprimenda. O cunhado de D. Olga se dizia ateu e que detestava problemas, mas  apesar de ser uma pessoa de sucesso na carreira de professor, parecia que lhe faltava algo para ser feliz.

Na semana seguinte estavam mãe e filha no Centro, eis que se encontram com Mario Morais, primeiro namorado de Maria, na sua cidade natal. Chega há pouco no Rio para resolver um engano referente à sua admissão ao serviço público, referente à saúde As duas acompanharam o rapaz na questão, rapidamente solucionada, e ele foi nomeado para trabalhar no Rio. Mesmo que preferisse voltar para o nordeste, reconheceu que era melhor ficar. Alguns encontros depois Lauro e Maria estavam outra vez namorando e logo noivos. Alguém questionou:

—E o emprego Maria?

—Esquece, vou ficar em casa cuidando dos filhos.

Foi o que aconteceu. E o casal está junto até hoje, com grandes aventuras para lembrar.



SUFRAGISTAS -8 DE MARÇO- DIA INTERNACIONAL DA MULHER











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