domingo, 1 de dezembro de 2019







conto

                         CONVERSA DE IRMÃOS





Da Luz via sua irmã mais velha sempre apressada, um dia falou-lhe:

— Da Paz, você corre o tempo todo de um lado para outro. Se eu tenho pressa na vida, é para ficar quieta dando asas à imaginação.

—Verdade, mana, você é a calma em pessoa, mas penso que deve arder por dentro, o que acontece com as pessoas imaginativas, não é mesmo?

— Sim, e não. Sinto prazer em pensar e gosto de escrever, e na minha idade, assunto não me falta. Sem medo de ser criticada coloco para fora as  lembranças, dúvidas, dores e alegrias. Criar é tão gratificante, sem ambição de estourar como escritora. Não tenho alma de artista, guardada as devidas proporções, como  diz  o filósofo C.K Chesterton, “o artista pode ser comparado a terrorista, que joga uma bomba, pois prefere um grande momento, a todo o resto”.

A irmã, por parte de pai, de Maria da Luz continuou a questionar:

—Embora tenhamos afinidades, somos diferentes em algumas coisas. Não sou propensa a devaneios.  Tenho dificuldade em pôr para fora meus sentimentos, e vejo você, minha irmã, ri e chora com uma facilidade incrível. Difícil alguém me ver às gargalhadas ou banhada em lágrimas.

—Já reparei, Da Paz, que você é igual a tia Elza. Nunca vi essa tia demonstrar sua tristeza, nem alegria, mesmo que haja motivo. Sempre altiva e ativa, médica dedicada,  profissão que requer certa frieza. 

Naquele mesmo dia o irmão mais velho chegou perto das irmãs, querendo surpreendê-las, a ponto de assustá-la. Antes de dizer a que vinha, perguntou-lhes:

—Como vocês estão, Maria e Maria? Fiquei curioso com a conversa das duas. Maria da Paz respondeu:

—Vamos bem, obrigado, como sempre. Agora mesmo encontrei Maria da Luz absorta em seus pensamentos. Pensar, no mínimo, ajuda a passar o tempo, faz o mundo parecer menos árido, e vida parecer mais interessante. Mas não tenho paciência para ficar imaginando que a terra é plana, em vez de redonda, por exemplo.

Sem mais delongas o irmão falou:

— A propósito, tenho uma incumbência para vocês, quero que uma das duas fale com sua cunhada, para que ela deixe de se preocupar, eu não vou mais chegar atrasado para o jantar. Meus amigos que arrumem pretexto para ficar longe de casa. Ainda com perigo de me deixar levar pelo prazer da bebida, tenho que parar. Sinto remorso desde que Helena caiu e quase morreu. Fiquei com uma pergunta engasgada: “Se minha companheira desaparecer, o que será de mim? Ficaria muito solitário, e não tenho dom para a solidão”. Da Luz rapidamente respondeu:

— Mano, você parece que está com pena de si mesmo, e menos preocupado com sua mulher. A solidão é dura, mas a gente se acostuma. Pior é o remorso pelo mal que se faz, isso para quem tem sentimento. A falta de atenção, principalmente a bebida, já destruiu muitos lares, faz sofrer a família. Vamos, sim, falar com sua mulher. Podemos acreditar em sua promessa?

O irmão ficou calado, enquanto Da Luz dava asas a sua imaginação: “Nada como um dia após o outro... Ia criar uma linda história de amor para o casal, que fosse verossímil”.

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