terça-feira, 23 de junho de 2020










      O PRIMEIRO NEGÓCIO NINGUÉM ESQUECE





Ter sucesso nos negócios, como em tudo na vida, depende de vários fatores a serem avaliados, o produto seja vendável, atingir o alvo, ou seja, o freguês, o que ensina um bom manual de economia. Maria lembrou dos primos, quando se arriscaram pela primeira vez como empreendedores. Há risco, sim, mas tudo aconteceu por acaso, quando os três passavam por uma rua próxima de casa, e avistaram de longe alguns garotos na rua lutando em vão para empinar algo, e não era uma pipa, zangados por não obterem sucesso. Ao chegarem perto viram uma tosca “curica”, feita com um quadrado de jornal, armado com duas talas em cruz.

A cidade antiga, as ruas muito estreitas, e aqueles lá tentavam o impossível. Mesmo que houvesse vento bom para a empreitada. De lamentar o que viam diante dos olhos, o mais novo dos primos de imediato tendo uma ideia, justo ser ele, que jurava para si mesmo um dia  ficar rico, ia ser inventor. Não era o caso agora de inventar nada, já existia o pipa, até a “jamanta”, que via homens já velhos dedicados à diversão no campo do Ourique. Coisa de moleques, dizia-lhes mãe e tia. Miguel vendo à sua frente uma boa oportunidade para dar início ao acalentado sonho de ganharem dinheiro. Falou aos demais que podiam fazer pipas para vender, aqueles seriam seus primeiros fregueses.

Aceita a empreitada, ao chegarem em casa deram tratos à bola, como havia de comprar o necessário para dar andamento ao projeto. Lembraram da venda na esquina da rua, tinha tudo o que precisavam: papel de seda colorido, varetas, goma, linha e algodão. Será que dona Maroca ia vender fiado para eles?  Iam arriscar. Foram recebidos com um sorriso no rosto, eram filhos de sua amiga Doralice, iam fazer pipas para brincarem nas férias que iniciava naquele mesmo dia. De imediato a vendedora colocou tudo a disposição dos garotos, que saíram dali satisfeitos.  “A mãe tinha razão “ pensou Miguel, “mais vale amigo na praça que dinheiro na caixa”.

Não foi tão fácil a confecção das pipas. A certa altura entrou em ação a irmã mais velha de Miguel, artesã famosa, que lhes deu dicas preciosas. O segredo era medirem bem para dar equilíbrio aos dois lados do papagaio e não ficasse penso, pois jamais subiria.  Tudo pronto, lá se foram eles ao encontro dos fregueses, que já haviam desistido de empinar suas curicas. Ao verem os objetos ambicionados nas mãos dos vizinhos, não hesitaram em comprar uma delas. Escolheram a maior e mais bonita, opinião unânime.Jà tinha linha boa e suficiente para que o papagaio subisse às alturas.

Os primos felizes pelo sucesso daquele primeiro negócio, sócios em empreendimento futuros, não iam parar ali. A caramboleira do quintal estava cheia de frutos... Ainda contavam as moedas recebidas, quando escutaram os gritos vindo do corredor da meia-morada. As pipas não subiram, os compradores descontentes reclamavam em alto e bom som, estavam ali para devolver o produto e receber o dinheiro de volta. Os vendedores escondidos atrás dos móveis, enquanto os novos moradores do bairro, renomados brigões, a ameaçá-los: “E se nós quebrarmos tudo aqui?” Diziam sem o menor respeito para com o pequeno santuário,  erguido logo na entrada. Invasores bárbaros, que não se davam conta das ameaças que faziam.

Diante das ameaças os vendedores acabaram por apresentaram-se para resolver tudo, o dinheiro devolvido, tostão por tostão, sem que dona Diva tivesse seus santos profanados. Mas nada havia de errado com o produto, os dois lá é que não sabiam empina pipas, o que requer perícia, como tudo na vida. Maria lastimou o acontecido: “Hereges, o que certamente eles são”. A irmã de Miguel prontificou-se a vender os pipas na feirinha da praça da Alegria, da qual participava todos os domingos com seu artesanato. Não restou nenhuma pipa. E a que estivera nas mãos dos piores fregueses do mundo, ficou como troféu na mesa de cabeceira de Miguel, colocado ali pela mãe, inclusive, para alertá-lo de possíveis e evitáveis encrencas futuras.

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