terça-feira, 16 de junho de 2020



PESQUISA DA QUARENTENA


          



          QUATRO PAPAS DOS NOVO TEMPOS -1              
     
     
  






Em 25 de maio de 1899, a encíclica Annum Sacrum do papa Leão XIII consagrava a humanidade inteira ao Sagrado Coração de Jesus. No ano seguinte, em 1º de novembro, publica outra encíclica, Tametsi Futura, em que o sacrifício redentor de Cristo seria representado como a explicação última de tudo o que na terra se cumpre, o alfa e o ômega do homem e do seus destino. Textos que se confrontam com as palavras de Friedrich Nietzsche no seu sacrílego Ecce Homo, escrito pouco ante da morte do autor, em 25 de agosto de 1900, um quase desconhecido, que iria aparecer à humanidade, cinquenta anos depois, como profeta dos seus abismos: “Onde está Deus? ... Deus morreu! Deus morreu! E fomos nós que o matamos!”

Desde 1848, a revolução social misturava-se com a revolução política. ”O mundo vai mudar de bases” escrevia em 1871, Eugène Portier, no poema que ia fornecer as palavras do hino A Internacional. Em 1872 Michelet escreve no prefácio à História du XIXème. siécle: “De modo estranho, o andamento do tempo dobrou o passo.” Mudanças ocorriam de toda ordem. A guerra de 1914-18 provoca a mais espetacular transformação, faz balançar a velha Europa. “Declínio do Ocidente”, profetiza Oswald Spengler. A civilização que há mais de um milênio  regia o continente europeu seria uma dessas “civilizações mortas” de que fala Paul Valéry?

Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) acontece a prodigiosa ascensão dos Estados Unidos das América, ao assumir a liderança do mundo. Ao mesmo tempo, no Oriente, o Japão entrada em cena, após vencer a Rússia czarista em 1905. Os japoneses seriam derrotados pelos  americanos, logo após a vitória dos aliados na Segunda Guerra. Os extraordinários inventos dos dois primeiros terços do século XIX, por maiores que tenham sido, não se comparam com o que viria a seguir, especialmente no último terço do século XX. Inimagináveis as modificações, que se traduzem, concretamente, em transformações  na vida dos homens. A ciência aplicada à técnica — esses os agentes soberanos das transformações para os novos tempos.

O aparecimento das máquinas, cada vez mais numerosas e de perfeição crescente, resultam em transformações na estrutura da sociedade e no cotidiano das pessoas. A civilização das massas quer tomar o lugar do individualismo, dito burguês. Na velha sociedade ocidental observa-se com apreensão “ascensão vertical dos bárbaros”, segundo diagnóstico de Ortega y Gasset. “Homo homini deus”, fórmula de Feuerbach para o humanismo ateu que não é outra coisa senão irreligião, guerra conta a fé cristã. A Igreja reage, cedendo ao espírito laico, que entra em cena, dando voz aos leigos, do quem doravante vão se empenhar os papas. Desde meados do século XIX, muito claramente, a ação dos papas fazem valer sua autoridade na Igreja, encerrando os tempos em que alguns homens, algumas nações faziam de Roma o que queriam.
  
O dogma da Infalibilidade  Pontifícia foi proclamado por PIo IX, para revestir o sucessor de Pedro de um poder espiritual inconteste. Claríssimo que os papas não se assemelham entre si, e observa-se uma   dialética em que a um pontificado “de abertura” siga outro “de concentração”.  Dessa forma aconteceu com quatro papas, a partir do “liberal” Leão XIII. Seu sucessor, o papa Pio X, alguns o apresentam como coveiro da obra leonina. O vigoroso Pio XI será em larga medida o melhor substituto para Bento XV, que muitas vezes foi tido como “apagado”. Os conflitos se agravam no mundo, e os  papas se destacam por sua efetiva atuação nesse cenário desfavorável à fé cristã. “Crer ou não crer” torna-se crucial questão. O mito do progresso promete dar um fim à religião que durante milênios orientou as pessoas para uma efetiva vida espiritual ao lado da temporal. As novas doutrinas científicas não se afinam com os abstratos limites do pensamento religioso.  A inteligência tem orgulho de si própria, do seu pensar sobre a matéria, a ser manipulada ao bel prazer.

Gioachino Pecci já não era jovem, ia fazer sessenta e oito anos, quando assumiu seu pontificado como Leão XIII, o qual duraria até seus noventa e um anos de idade. A saúde delicada, mas o vigor da inteligência  e do caráter mantinha-se intacta para a missão difícil, quando o destino da Igreja parecia estar em jogo.  Nascido de uma família numerosa da pequena nobreza, recebera a influência de sua piedosa mãe e as lições de seus mestres jesuítas. Sucedeu Pio IX que tinha sido um grande papa, o primeiro a empenhar-se contra as heresias modernas, mas com pouco resultados no plano temporal. A Igreja havia sofrido consideráveis perdas territoriais, o papa um quase “prisioneiro do Vaticano”. Leão XIII considerado pelo antecessor deveras audacioso no seu modo de pensar e o mantinha distante de Roma, consolado com sua púrpura cardinalícia.

O cardeal Gioachino Pecci, antes de tornar-se Leão XIII, havia enfrentado Garibaldi, e dera a sua diocese um impulso intelectual, pouco habitual na Roma pontifícia.  Diplomata e político de grande qualidade, era principalmente  uma alma profundamente religiosa, indispensável para uma mudança na Igreja, e foi justamente  sobre essas mudanças  que o futuro Leão XIII meditara durante os trinta anos  que passou em Perúgia, mantendo-se à escuta de seu tempo, perfeitamente a par das correntes de pensamento e todos os problemas sociais que angustiavam fé católica. Teve sorte de dispor de 25 anos para pôr em prática seu programa de vistas largas, estabelecendo contato com os Estados e também com as novas classes sociais, que a evolução do mundo exigia. Na sua encíclica Rerum Novarum, de 1891, ordenou os principais temas dos “católicos sociais” , situando a Igreja no âmago da questão.

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