terça-feira, 15 de janeiro de 2013


     SALVE MARIA!


Na Anatólia, nome originário do grego e associado a Mãe. Hoje faz parte da Turquia, onde ao longo do  II milênio a. C. foi criado um grande reino, encontro da civilização mesopotâmica e a cultura indo-europeia, com várias divindades convivendo no mesmo panteão, fruto da síntese, assimilação. Esse modelo retornará na época romana. Na região mesopotâmica foram encontrados  em diversos sítios neolíticos estatuetas que reproduzem uma imagem feminina, a reprodutora, no sentido de fertilidade da terra, não era uma leitura histórico-religiosa. No panteão mesopotâmico, a deusa Inana (em acádio Ishtar), da fertilidade da terra, faz  par com o pastor Dumuzi (Tamuz em hebraico e aramaico). O mito das bodas entre o pastor e a deusa fala sobre renascimento e morte, fundamentado no ciclo das estações. O sacrifício de Dumuzi e o desaparecimento da deusa, com sua descida ás regiões infernais, provoca uma crise cósmica que esteriliza o mundo. A realeza suméria, também cíclica, estava subordinada aos caprichos da divindade, que se interrompe com a recusa de Gilgamesh às ofertas de Ishtar. Na epopeia do rei de Uruk está presente o processo de separação do homem da natureza, mito da fundação da inevitabilidade da morte, ao mesmo tempo do limite e da medida da realeza humana.
O Império Romano incluía a região asiática da Anatólia cuja capital passou a ser Constantinopla. Faz parte da história de Roma a evocação das divindades “estrangeiras”, fórmula ritual antiquíssima, pertence ao substrato indo-europeu.  Roma republicana orientou-se mais no sentido de realidade histórica, e não através dos mitos, segundo Paolo Scarpi.  O patrimônio cultural sistematizado e definido pelos pontífices.  Os cultos  que Roma teve de enfrentar, ou externa superstitio. O culto da Grande Mãe frígia, Cibele, acolhida por Roma por sugestão do Oráculo Sibilinos em 204 a. C. Também foi acolhido o culto da deusa Atargatis, envolvido com a revolta dos servos em 134 a.C.  O primeiro imperador romano, Augusto (27ª.C. a 14d.C.) proibiu a celebração dos rituais de Ísis, e Tibério ordenou que o santuário da deusa fosse demolido e a estátua jogada no Tibre. Atitude análoga em relação à astrologia e à magia, com a suposição de que o culto  retirava do indivíduo a responsabilidade pessoal e civil, inclusive a jurídica, uma vez que agia com o próprio encanto, ou veneno. O segredo compartilhado por iniciados torna-se fator discriminante. Os bacanais   do culto de Dionísio-Baco preocupava Roma pelo seu aspecto “obscuro”, desagregador, já haviam sido condenados em 186 a. C. Os cultos greco-egípcios sofrem maiores hostilidades no senado republicano de Roma.
O cristianismo foi considerado em Roma como culto “estrangeiro”, ocorrendo perseguições as mais cruéis contra seus adeptos que foram, inclusive, acusados  de terem colocado fogo em Roma, coisa de Nero, que era louco e odiava a própria mãe.  Roma imperial não era mais a Roma republicana (509 a. C. – 27 a. C.) e diante da expansão tinha que legitimar seu poder diante dos súditos. A ideia era a eternidade do Império e da própria Roma. O processo de divinização dos soberanos, uma resposta à crise de valores e de certezas pela qual passava a sociedade à época. O poder concreto dos senhores  produzia uma dinastia que não garantia uma existência no mundo e abria a possibilidade para fugas ao esoterismo dos cultos dos mistérios e orientais, até o ocultismo, a magia, o pensamento filosófico-religioso que de certa modo prometia salvação para o presente. Constantino (272-337) sonha então que a vitória sobre os inimigos do Império Romano devia acontecer sob a bandeira do cristianismo, o que se realiza, dando início a uma nova civilização.


Dentro do cristianismo o antigo culto  à Mãe, ainda no neolítico, se perpetua e renova,  depurado de toda mácula.  Os Padres da Igreja veem em Maria uma nova Eva, assim como Cristo é o novo Adão. Em vez do fruto proibido, o fruto abençoado que Maria gerou por obra e graça do Espírito Santo. A maternidade divina de Maria, uma descendente da casa de David, consta dos Evangelhos, a partir de suas humildes palavras diante da vontade de Deus para que ela fosse  a mãe do Redentor: “Faça-se em mim segundo a Tua vontade.” Em seguida veio a  saudação de Isabel ao ver sua prima grávida:” ‘Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre.” Palavras que formam a “Ave Maria”, saudação que os católicos, que adotaram o culto a Maria, repetem em todo o mundo ocidental, civilizado e cristão.
O culto à Maria é especial, uma ritualística que santifica a vida, a família, e vai além dos cultos anteriores às deusas Mães, das culturas primitivas. Fé que representa uma modalidade universal de ver o sagrado na vida humana, seu destino ligado a novos valores, possibilitando uma experiência religiosa mais rica, uma comunhão divina simultaneamente mais “pura“ e mais completa. A fé na maternidade divina triunfou após a  proclamação dessa verdade no concílio de Éfeso (431). Todas as prerrogativas que a fé cristã reconhece em Maria, filha de Ana (o mito de Inana?), celebrada antes mesmo da definição do dogma, com  a festa da Imaculada Conceição no Oriente, desde o sétimo século, e no Ocidente, desde o nono. Finalmente o papa Pio IX proclama-a dogma de fé. Com a ressurreição em Cristo, filho de Maria, se finda o ciclo de  nascimento e morte, de reencarnações.  




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