segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

                                 A GUERRA DAS NOVELAS 



   A novela Salve Jorge, da rede Globo, escrita por Glória Peres, causa polêmica mesmo antes de ser levada ao ar. Pelo nome, já se sabia o que vinha por aí. Nome de santo da igreja católica e ao mesmo tempo de Ogum, entidade da Umbanda e do Candomblé, religiões afro-brasileiras. Os neopentecostais resolveram boicotar o programa de maior audiência da emissora global, numa espécie de “guerra santa”, como toda guerra há interesse financeiro embutido, além da defesa das consciências. O interesse maior era esvaziar a audiência de uma rede para alavancar a da outra, a Record, onde passa a reprise da novela Rei David. Comparar o rei hebreu com o santo guerreiro não é coisa do outro mundo, mas desse nosso mundo mesmo. Como a liberdade religiosa é garantida pela Constituição, todos podem exercer sua crença, manifestar-se publicamente sobre o que crê e deixa de crê. O santo já foi até banido do catolicismo, hoje deixado em paz, muitos os devotos do patrono da Polícia Montada. As espadas do Rei David e do Jorge guerreiro abrindo os bons caminhos, e não o dos infernos aberto por outros meios, quando as coisas podem ficar ruins de verdade. 
   O certo é que a novela das nove trata de assuntos de real importância no mundo atual, globalizado, propício a negócios de toda a espécie, os personagens a transitarem sem parar de um lugar para outro, de um país para outro, de uma cultura para outra, com rara facilidade. No palacete brasileiro uma elite rica e retrógrada, cuidada por um mordomo, vive seu doce far-niente à custa das rendas deixadas por algum nababo do comércio ou indústria. Já no morro, pacificado, sem tráfico,o que já foi uma grande coisa, mas é preciso fazer mais, muito mais, para erradicar de vez esse mal que invade a pobreza, continuando a comunidade carente, desperdiçando suas vida em brigas fúteis e exibições na laje. Ambientes desprotegidos, onde atua também outro tipo de criminoso, oculto nas falhas do tecido social, ocupando o vazio em termos de educação, de perspectivas.
   Pessoas que não conta com ações efetivas, nem da família, nem do poder público, um campo propício para a atuação das criminosas Wanda e Lívia, personagens tipo camaleão que têm um pé lá e outro cá, como se diz. Sub-repticiamente, elas atuam na favela, assim como estão infiltradas na alta sociedade, mundos aos quais não pertencem efetivamente, ou deles já pertenceram, de onde saíram por motivos até agora desconhecidos. Formaram uma quadrilha de traficantes de mulheres, de bebês, de drogas, que dirigem com mão de ferro, aproveitando a situação de fragilidade moral da sociedade, para praticar seus crimes. Antônia, foi a primeira a ser fisgada por Lívia, nunca fez nada e agora que o endinheirado marido perdeu tudo, quer trabalhar, ingênua, pensa que as coisas podem cair do céu. Dessas pessoas que não foram bem preparadas para a vida, por terem sido muito protegida ou, ao contrário, sem a devida desproteção.
   Faz contraponto com as laboriosas criminosas, outro par de mulheres - as ociosas, que já ultrapassaram em muito o limite da maioridade, e ainda não conquistaram nada, nem mesmo o tal príncipe - o do momento é o capitão da polícia, ou outro qualquer, sempre em fuga, na mesma proporção que elas avançam neles. Refletem uma sociedade que não quis crescer. Como cinderelas estão acomodadas na casa da madrasta, que não tem amor por elas , dedicada à cadelinha Émile, que trata como princesa. Submetidas ao suplício das virtudes da humidade e paciência, tão desprezada por essa geração, apenas por conta da partilha de uma herança deixada pelo pai, que podem nem receber. No morro, como nos bairros dos bem nascidos, vemos o mesmo dilema: a falta de amor familiar, de cuidados efetivos, o que leva as pessoas a quererem se dar bem a qualquer custo, o que não resulta em boa coisa.
   Morena e Jéssica estão sofrendo horrores na Turquia, traficadas pela dupla criminosa brasileira, sem conseguir escapar do cativeiro sexual, onde foram parar por ingenuidade, de onde fugiram duas vezes e tentaram se comunicar com a polícia local, mas entregues de volta aos traficantes. O machismo que o núcleo turco da novela apresenta, e todos sabem como são as coisas para a mulher naquele lado do mundo. As moças brasileiras queriam trabalhar honestamente, faltando-lhes consciência da maldade que campeia no mundo, a ponto de se deixarem levar pela promessa de ganhar em dólares numa lanchonete no exterior. Como tantas outras, querem ser donas do nariz, sem escolher bem com quem se metem, acabam nas garras de gente inescrupulosa, até mesmo na prostituição. Morena, tem uma mãe meio confusa, mas amiga dela, e já tinha encontrado um pretendente para casar e ser feliz, o tenente Theo, seu “santo” protetor, mas largou tudo pela aventura no exterior. 
   Habitante do morro a bela Lurdinha, coitada, tem uma mãe com filhos de vários pais, espalhados pelo mundo, no presente momento embeiçada por um presidiário em liberdade condicional, a quem cobre de mimos, em vez da filha, mas o cafajeste gosta mesmo é de outra, morena como ele, certamente um caso antigo. A branca e a morena, ambas sem vergonha na cara, vivem em brigas homéricas de ciúme pelo morro. Lurdinha já se sabe que é irmã de Aysha, traficada ainda bebê, mas teve a sorte de ser bem educada, amada pelos pais adotivos, um casal de turcos bem sucedidos no comércio, à procura dos pais biológicos da filha no Brasil. O tráfico de bebês, como o de mulheres para a prostituição, é assustador, o que se vê na novela. A bela Lurdinha já está na mira das traficantes, que pode escapar da cilada com ajuda da irmã adotada, afinal, a adoção é coisa para se levar a sério, como tudo o mais. 
   A delegada Helô, profissional bem sucedida, parece uma árvore de natal de tantos adornos que carrega, sempre em duplicata, como os cintos, pois é uma consumidora compulsiva. Está encarregada dos casos de sequestro no morro, separada do marido, um advogado bem sucedido, com quem deixou a filha, agora recém-casada, que vai para a Turquia, onde o marido tem garantido um trabalho no comércio de tapetes de Mustafá, pai de Aycha. Mas o jovem casal só quer boa vida e já foram pegos em falcatruas pelo turco. Facilmente manipuláveis, são incapazes de responder a questões simples da vida, não desenvolveram a capacidade de escolhas responsáveis. O vampirismo desses jovens, que vão entrar para a quadrilha de Wanda e Lívia. Êta mundo ruim e feio! Tem ainda o romance da periguete brasileira, interpretada por Cleo Pires, um escândalo ela ser livre daquele jeito, e ingenuamente acreditar que vai ser aceita numa comunidade por demais arraigada aos costumes, que submete a mulher ao homem. O romance serve para alavancar a audiência que vai fraca das pernas, não por conta história, mas do boicote dos seguidores de Edir Macedo, que não são poucos.

Um comentário: