quinta-feira, 10 de janeiro de 2013


                OBRIGADO!


Não desmereçamos o que foi recebido da família, da sociedade,   das  instituições de ensino, que contribuíram para nossa formação. A segurança que nos dá a boa educação e cultura, o apoio financeiro e moral, para o melhor desempenho das responsabilidades impostas pela vida, e se possa gozar de bom conceito dentro da sociedade. Por tudo que recebi muito tenho a agradecer! 
“Na casa da Rua das Hortas minha avó  Carmen cultivava seu jardim. Lá para o fim da tarde ela fazia sua lista de compras com  um lápis de ponta rombuda, ouvido grudado no zumbido do rádio,  o centro das atenções na casa, onde a família escutava as notícias, acompanhava as novelas, o que se vê hoje ao vivo e a cores na Televisão. O país inteiro ligado nesse quase instrumento de guerra na época do segundo conflito mundial do século XX. O radinho de pilha foi um grande avanço, que as pessoas passaram a carregar para onde iam. Não tardou estarmos   conectados ao celular, ou diante da televisão e do computador; do mais pobre ao mais rico, todos sob o poder desses espetaculares inventos da civilização, também vítimas de sua barbárie, que nunca deixa de acompanhar o ser humano. A barbárie, das guerras, por exemplo, vistas no momento em que acontecem. Os aparelhos de transmissão e comunicação imprescindíveis na vida moderna, imediatista, ansiosa, a tecnologia aos saltos, que muda as coisas a cada instante,  sem que se saiba se é para melhor.
“Ao chegar do colégio encontrava os pacotes e pacotinhos de açúcar, manteiga, trigo, e outros produtos, empilhado sobre o mármore da mesa, à espera da alquimia da avó que ia transformar tudo aquilo em doces e salgados para festas. Deus lhe teria dito: “Faz tua parte, que te ajudarei.” Já para Nazária, de meia idade quando me entendi por gente, “o que o homem põe, Deus dispõe”. Ninguém a se sentir, mesmo, muito seguro naqueles tempos, principalmente as mulheres; os homens herdeiros do mundo no comando de tudo. A geração de entreguerras, anterior à nossa, de resignação para a mulher; a de pós-guerra instrumentada com o conhecimento  para reverter a situação. Findo o conflito mundial, o mundo ia passar por mudanças radicais, dentro de casa ou fora. Por enquanto só a falta d’água incomodava a população, minha avó sem água para as plantas, sua paixão. Não tinha gosto para criar animais, mas  avisava que não se devia maltratá-los. O gato da  casa escondido debaixo do “cantanhede”, o apelido do móvel, vindo  da pessoa de quem ele foi comprado, em estilo indefinido, onde o gato se escondia, a poucos passos do corredor que dava para a cozinha.


“Meu irmão brincava com seus soldadinhos de chumbo, em pleno ataque, quando escutamos pelo rádio o fim de Hitler, consequentemente, término da guerra. Ecoou pela casa a voz indignada do meu tio João: “Aquele lá era uma besta quadrada”. Encerrava-se no cenário mundial a ação ridícula e perversa de um louco. Ano especial para  mim o de 1945, e eu toda feliz aos sete anos, com o lápis apontado caprichava na caligrafia do cabeçalho do meu primeiro caderno escolar. Entusiasmada aprendera a ler e escrever, que tudo de bom me  adviria do grande feito. O trunfo civilizador da escrita. As crianças sob os cuidados das mães; ora austeras, ora de uma sofrida benevolência. Mães instintivas, ainda não adeptas de ideologias permissivas, como a da autodeterminação das crianças, coisa para o futuro, de pessoas compulsivas, ansiosas.
“A formalidade do uso do sobrenome para os rapazes no colégio conferia importância ao orgulho da família. Meu irmão bajulado, e eu jamais tratada como frágil e indefesa, ainda bem.  “Esta menina tem uma saúde de ferro”, o que ouvia. As crianças bem cuidadas em nossa casa.  Os meninos estimulados a progredir, enquanto as meninas voejavam a sua volta. Aos quinze anos elas dispostas a casar, quando deixavam para trás qualquer ambição profissional, sem pensar. As que não demonstrassem  desamparo, e sonhassem em ter  autonomia, eram consideradas ousadas, poucas na verdade! Avisava madre Arruda: “Medo é coisa de satanás!” O medo abusivo, que ninguém devia jogar com o destino, arriscar no desconhecido e, sim, aprender a ter vontade própria, a lutar pela  vida.
“Os recursos financeiros da família  tornam-se escassos, depois da morte prematura dos chefes da família em das gerações seguida, tempo de bonança que se foi. Mas o dinheiro nunca faltou, assim como o afeto, as necessidades supridas a contento, sem as solicitações que iriam surgir, com pai e mãe a se desdobrarem para satisfazer os anseios materiais, deles e dos filhos. Nas reuniões familiares todos pareciam de bem com a vida, pouco preocupados com a decadência da família, da cidade, do mundo saído da guerra. Entrávamos em recuperação e tínhamos o futuro pela frente. As expectativas femininas ainda calcadas na ambição da procriação, o que levaria aos bilhões de habitantes do planeta, seus vorazes consumidores. “As crianças tratadas como crianças de verdade, sem se envolverem com os problemas dos adultos, bem verdade que eram, às vezes, relegadas a um segundo plano.
“Nem tudo um mar de rosas, não mesmo, mas as mulheres, sempre habilidosas, com afeto e labor cuidando para que os valores humanos – respeito e afetividade, por exemplo - fossem preservados.  Minha mãe, aluna aplicada, poderia ter sido uma médica, ou pianista, mas casou com meu pai, sua grande paixão, com quem foi morar no interior. Ficamos com minha avó, eu e meu irmão  mais velho, para ter melhor formação escolar na capital. Da avó Carmen temos que agradecer a acolhida, sua dedicação, seu interesse pela nossa saúde e cultura, ela sempre dentro de casa, mas ciente do que acontecia pelo mundo, notícias que colhia inclusive através das freguesas, empolgada com a viagem de uma dela ao  Egito; queria saber da Europa, de Portugal, filha e esposa de português, mas se contentava com o Oriente. Um privilégio conviver com essa avó, principalmente, em S.Luis, cidade rica em tradição e valores culturais, de grande desenvolvimento no Império, seu imponente casario eleito  Patrimônio Cultural da Humanidade.” (Excerto do livro de contos “Sempre Memória”, da autora deste blog).  










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