sábado, 5 de julho de 2014



                                          MULHERZINHAS








  Ter treze anos não é o mesmo que ter onze, doze, a vida ainda uma quase miragem. Aos treze começam a se manifestar as aspirações, o amor chegando ao coração. Deusdete de olho em Leila desde o domingo no cinema. O amigo Vicente dedicando-se com afinco aos estudos, lendo em inglês e francês, o que muito me impressionava. Mas longe ainda os namoros de verdade.  Da rua vinha aquele cheiro de chão molhado, tardes de chuva, quando então eu ficava a cismar olhando a água cair das telhas. Lia e relia Louise May Allcott, autora preferida da minha juventude, após o encantamento da infância com Monteiro Lobato ora me identificando com a boneca de pano Emília, ora com  Narizinho. Da autora americana meu avô trouxe de Portugal os dois primorosos volumes de capa vermelha, para minha mãe  se habituar a ler, o que ela me disse ao me passar o presente: As Quatro Raparigas e Alguns Anos Depois, atualmente conhecidos como Mulherzinhas.
Encantadora história das quatro jovens em seus anseios: Jô, a menina intelectualmente  talentosa, quer ser um menino, por conta do desprezo ao talento feminino na época, e  se torna escritora premiada; a doce Guida, desde cedo com o dom de ensinar, até se casar com um homem de caráter, por ela mesma escolhido para fazê-la esposa e mãe, ideal abraçado de coração; May, uma criança voluntariosa, com sua ambição de ser artista, mas que se transforma numa adorável mulher, se casa com o amigo de infância, Lourenço, capaz de lhe satisfazer a ambição, menos  de sucesso artístico, por lhe faltar talento, o que ela tinha de sobra para brilhar em sociedade. No meio da narrativa a fatalidade da morte prematura de Beth, o anjo da família, quando então chega ao fim, silenciosamente, a inocência, representada por essa irmã, contraponto ao desejo de realização pessoal e liberdade das outras. Mostra a dor com a morte desse belo sentimento feminino de devoção e caridade presentes na irmã Beth em confronto com suas irmãs que seguem lépidas e fagueiras, desejosas de progredirem. Uma heroína cristã e católica (a decantada pobreza de espírito). E quem mais admira Beth é a irmã Jô – o seu oposto – espírito inquieto, que recusa Lourenço, um par perfeito, não para ela,   que se casa mais tarde com o professor alemão Baher, filho do prático e resoluto país do protestantismo, ou do ideal racionalista.
Na história das irmãs March, parte autobiográfico, o sofrimento vem seguido da superação, diferente do que acontecia de verdade com a autora, oprimida pela insegurança, num mundo complexo para a mulher. A personagem Josefina devotada à criação literária, à imaginação, numa família altruísta, o pai de Louise seguidor de uma filosofia de vida numa comunidade utopista, onde se compartilhava até as esposas, mas era incapaz de dar a mínima segurança à família. As coisas colocadas no livro como deveriam ser e não como eram de verdade, e teria sido a autora abusada por um membro da família onde ela se hospedou em Nova York, quando ao contrário do que acontece no livro ela encontra ali sua alma gêmea. Há o episódio em que as quatro irmãs montam uma farta mesa de Natal para se deliciarem, mas resolvem dá-la aos vizinhos pobres, por sinal, alemãs. A prática filosófico-religiosa do altruísmo, para fortalecer o caráter, o que no pitagorismo constituía em montar uma mesa de iguarias para em seguida distribuí-las aos necessitados. No século XIX, John Stuart Mill, economista inglês, afirma que, na hora da decisão do que deve ser feito, o altruísmo era tão importante quanto o próprio interesse. O famoso utilitarista via prazer qualitativo na ajuda às pessoas, sendo um defensor da emancipação da mulher, por um ideal de direito para todos, não o altruísmo que significa vida de segregação social, mas ter o que compartilhar através do trabalho, da vida honesta.
 Nota: O livro de Louise May Alcott teve três versões cinematográficas em 1933, 1949 e 1994. Nos papéis de Josefina March representaram,  respectivamente, Katherine Hapburn, June Allyson e Winona Ryder 


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