domingo, 10 de março de 2019


CONTO



                                     
                                                          SE




              Era a família ideal para aquela época, cinco irmãos, com os pais em união indissolúvel, adeptos do bom convívio familiar; do lado da mãe pessoas conservadoras, tidas como intransigentes, que evitavam elogios, ou algo nesse sentido, o medo que a prole crescesse fraca de caráter, os jovens acompanhados com atenção, para que escolhessem bons caminhos. Por parte de pai os condescendentes, a se dizerem liberais, justificando que a liberdade era o ideal maior propugnado pela espécie humana.
               
              O poema Se de Rudyard Kipling estava colocado no mural da escola. Maria anotou-o numa folha de papel, e colou na parede da sala para todo mundo ver. Aí estão alguns versos:
               
                
                Se és capaz de manter a tua calma quando
               
               Todo mundo em redor já a perdeu e te culpa;
               
               Se és capaz de crer em ti quando todos duvidam,
               
               E para esses, no entanto, achar uma desculpa;
               
               Se és capaz de esperar sem desesperares...

              
               
            — Sentenças desafiadoras, pouca gente disposta a seguir o que dita o poeta inglês. 
             
             Foi a tia da parte paterna de Maria quem falou, certa tarde de reunião da família. O questionamento se era justo receber um tapa e dar a outra face, para se salvar, custe o que custar. Os brasileiros não tendo a obrigação de seguir regras tão disciplinares, ditadas por um anglo-saxão, frio por natureza. Veio a contradita materna:
             
           — O sol inclemente castiga nossa gente, que por qualquer coisa perde a cabeça, e tudo o mais que se perde, ou se ganha, por sermos quem somos.
              
            — Diferentes, sim, mas poderíamos ser melhores, ter uma boa política educacional, por exemplo, em vez de patinarmos no atraso. E acabamos nos últimos lugares nas pesquisas lá fora. Por acaso, seria melhor se habitassem apenas os índios por aqui?
             
               O mais velho da família, que parecia não estar nem de um lado nem do outro, quis dar uma aula:
              
           — Criou-se aqui um povo diferente, principalmente no quesito alegria e descontração. Aí está o ponto forte do brasileiro, ao mesmo tempo onde reside sua fraqueza. A espiritualidade dos brasileiros por conta do seu pluralismo cultural. Nosso país descoberto por um português, Pedro Alvares Cabral, cuja terra já era habitada, uma população numerosa a que deram o nome de índios, mais tarde aqui aportando os negros africanos como escravos. Para completar, hoje muitos brasileiros são adeptos do espiritismo, criado na França, que vingou aqui como em nenhum outro lugar. Mas que o espírito do nosso avozinho Portugal não nos abandone.
                 
              Alguém fugiu um pouco do assunto, para lembrar da postagem que saíra no Face:
                 
         — Há coisa boa e ruim cá, como lá. Uma piada de péssimo gosto comparar a centenária cidade de Porto em Portugal, com outra também centenária cidade brasileira de S. Luís, fundada por franceses e construída rua por rua pelos portugueses. Foi o que fez um engraçadinho em uma postagem no Face. A diferença é gritante. A principal rua da capital maranhense apinhada de gente passeando descontraída, sobre um calçamento recém-reformado, de comovente simplicidade. Enquanto em terras lusitanas, poucas pessoas passeiam bem vestidas por uma conservadíssima avenida, artisticamente calçada. Vendo de relance parece S. Luís, mas é Porto. Portugal de Camões tão perto da Inglaterra de Kipling, hoje infelizmente tão longe do Brasil do nosso grande e miscigenado Machado de Assis.
           
               O apoio foi geral às palavras do mais novo membro da família, nos seus 22 anos:
          
         — Ah se fosse diferente por aqui. O Brasil não perderia tanta riqueza mineral, extraída da terra, causando mais pobreza, mortes e uma irreversível falência ambiental.  E nosso país, a exemplo da capital maranhense, considerado a terra do “já teve, hoje não tem”.
            
        O debate foi interrompido para o café com beiju que estava sendo servido, e todos quedaram-se a degustar com prazer a iguaria nordestina. O poeta Kipling certamente apreciaria o silêncio, assim como teria apoiado a breve e democrática discussão sobre seu poema Se.
             
         Nada melhor do que trocar ideias em família.     
     

              
 

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