quarta-feira, 31 de julho de 2019





CONTO



                  SOLIDÃO TAMBÉM CANSA

        
   


          Sair de casa não era seu costume em tempo de calor, a casa com uma boa circulação de ar, enquanto a rua queimava com o sol de rachar. Joaquim perdera a mulher de parto do primeiro filho, que se foi junto com a mãe, Flora, deixando inconsolável um jovem  marido e pai, e já se passaram alguns anos. Depois de uma forte gripe que o deixou dia e meio de cama, precisava ver gente, encontrar de preferência quem não conhecia, sem ter que dar atenção, nem receber satisfação dos conhecidos. Cumprimentar estranhos era melhor que parar para conversação, hábito que ele pouco apreciava. 

        Eis que Joaquim se depara com dona Maroca e sua filha Mariana, solteira e já na porta dos cinquenta anos, o noivo morrera em um desastre, e ela estava ainda jovial e esbelta. Foi parado pelas duas mulheres, não sem antes a mãe mirá-lo dos pés à cabeça. A moça era de rédeas soltas, e foi também com sua língua afiada que  perguntou de chofre se o amigo  tinha sabido da separação ruidosa ocorrida na sociedade. Não, ele não sabia de nada, e estava saindo justo naquele dia, depois de alguns dias doente, precisou tomar ares, informou à vizinha. E ia a bom caminho, até que...
           
          — Até que o quê? Quis saber Mariana.

        Joaquim não respondeu à pergunta que lhe foi feita em tom de mágoa, e deu início às despedidas, alegando pressa para um compromisso. Antes, um solteiro cobiçado, viúvo há algum tempo, ele ainda despertava interesse, em especial de Mariana. Todas as outras muito bem casadas, exceto uma, coitada, que caiu de amores por um qualquer. Justo a mais bonita, e ele lembrava que deixou de casar com Elvira por sentir algo especial por Flora. Mas casar de novo estava fora dos seus planos.

           Gente cansa, mas do que cansa a solidão, pensou Joaquim, que andava naquele dia com gosto redobrado, todos os sentidos em alerta para apreciar seus lugares preferidos na cidade. Sempre findava os passeios na casa da irmã, também viúva, que queria vê-lo com nova esposa, mesmo assim, o convidara para morar com ela. Mas ele preferia visitá-la de vez em quando. Ambos aposentados e amantes das viagens, a irmã toda ano indo a Portugal visitar o único filho e também rezar em Fátima. Ele só de vez em quando ia jogar em Las Vegas, perder e ganhar ali alguns minguados mil reis. 

          Mas estávamos no momento em que Joaquim atravessava a praça Odorico Mendes, tentando gozar a vida, sem se lambuzar nem  se empanturrar, gostava de dizer. Lembrou da cartomante que havia previsto para ele dinheiro grande, mas ficara reticente quanto ao novo casamento, nuvens tapavam sua visão, ela falou. Que nuvens seriam essas, a dúvida que ficou no ar. Agora sabia quais eram, é que prezava  a solidão, como um artista, desses antigos poetas, que morriam tão sedo, mas ele estava ainda vivo, e bem vivo chegando aos setenta anos. Até carpintaria ele fazia, e um pouco de poesia.

           Já tomavam o lanche da tarde, e ele resolveu confessar-lhe à irmã seu amor por Mariana, quando ela era mais jovem, quase uma criança, e ele não quis ser pedófilo. Mais tarde passou a vê-la como uma pessoa estranha... Tais artes da mulher em que se transformara Mariana, mesmo necessárias aos olhos e ao espírito faziam com que ele por pouco não perdesse as esperanças. A mãe dela também fora um tanto livre, mas havia confiado no seu taco para prender o marido, o mesmo que podia acontecer com a filha e Joaquim. Ele devia ter suas aventuras na periferia, mas oportunamente tudo se resolveria. 
         
          E foi o que aconteceu dias depois na mesma praça, quando Mariana o surpreendeu de um modo irresistível, conforme figura acima.  Antes do fim do ano estavam casados.

 
  
  

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