terça-feira, 28 de agosto de 2018






               DA FALA 
                E DO SILÊNCIO




Duas amigas encontram-se para estudar, a prova final era sobre a comunicação na vida moderna, estabelecem a seguinte fala: 

 - O Silêncio nem sempre tem o respeito que merece, mas nunca foi tão odiado, como acontece hoje em dia.  Minha amiga, não se você concorda comigo mas o silêncio passou a ser sinônimo de vazio – inumano, aterrador. E o barulho tomou conta da humanidade, que me parece em estágio avançado, ou em plena decadência.  Para os homens das cavernas certamente que o barulho, e não o silêncio, causava estranhamento. Na era do ouro da humanidade homem pouco falava, a linguagem restrita, e qualquer barulho era sinal de inimigo por perto. Evoluímos, aprimoramos, pela fala, e os medos foram embora. Hoje tagarelamos sem parar e nada mais nos assusta.

- Concordo, e digo mais, tempos atrás os pais ensinavam as crianças a ficarem quietas, sossegadas, difícil para quem está descobrindo o mundo, e o barulho faz parte da vida infantil. Uma contradição, mas quando as crianças ficavam quietas era mal sinal. O silêncio era suspeito. Hoje o que se exige das crianças é que se movimentem sem parar, os pais inventando atividades variadas para manter os filhos ativos. Ou em desassossego?

- Desassossego, sim, e cito T.S. Eliot, que orou: Ensina-nos a estar em sossego. Teria o poeta detectado o perigo da obsessão pelo movimento no mundo moderno?  É coisa nova as pessoas serem levadas a estar em contínua atividade, querendo ser vistas, o que exige uma avantajada autoestima, coisa dos novos tempos.  Acharmos que somos merecedores de admiração, elogios, erro que vem da infância,  pais elevando a autoestima das crianças, em detrimento do esforço que elas possam ter em realizar seus deveres. A autoestima lá no alto, mas o quer reina é a confusão, a incerteza, a astúcia. Não há como voltar à certeza, à simplicidade, à inocência. Na descrença, o absurdo é o novo sublime. A vida contemporânea oferecendo esplêndidas oportunidades de vivenciar o absurdo, o caso da exposição do queermuseu.

- Pensamos em elevar nossa autoestima e tudo o mais nos será dado por acréscimo. Ou nos rebaixamos para nos manter em evidência, o que na atualidade significa estar vivo.  A comunicação, ou a solidão. Mas é preferível a solidão, do que estar em ação, lutando contra moinhos de vento, navegando contra maré, afogando-se num mar de lama. Gente que pensa assim manter alavancada uma soberba autoestima. Solidão, não no sentido arcaico de ascetismo, de se deslocar para algum deserto, se enfurnar por aí. A comunicação aleatória, e da sujeira figurada da pornografia partir para a sujeira de verdade. Ter amor próprio para com ele melhor comungar ideias, pensamentos e nobres interesses. 

- Não sei se você soube, mas uma pesquisa atual avaliou que a autoestima da pessoa alcança seu auge aos 60 e permanece assim até os 70, depois decai drasticamente, até os 90. Em se tratando da autoestima, é bom que se diga, quando sabemos que autoestima é diferente do amor próprio, que permanece estável, a partir do momento em que se forma. O amor próprio faz a pessoa ter responsabilidade pessoal, ser focada na eficiência, sem  se descuidar das deficiências, para corrigir e superar. Libertar-se, no sentido de amar o que se faz e, em especial, amar o silêncio e a quietude. Voltar a viver como se estivéssemos numa nova era do ouro, será possível? 

                Após a fala acima, quedaram-se as duas amigas em obsequioso silêncio.



Nota: Texto inspirado no livro A Era  da Loucura  do irlandês Michael Foley.
 Subtítulo: Como  ao mundo moderno 
tornou a felicidade uma meta 
(quase ) impossível)







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