terça-feira, 21 de janeiro de 2014



           

              A FILHA DE DONA CÉLIA
                                                                              miniconto

            




         Naquela época o Campo do Ourique era um extenso chão vazio, o cavalo de seu Matias bebia água da chuva no velho chafariz de bronze, o que restou da antiga praça. Cleonice atravessava o local, a mãe a se queixar da perda de uma boa quantia, mas que não ia se preocupar muito com isso. E concluiu, sem grande desgosto: “Eu nunca serei rica mesmo, foi o que me disse uma cartomante há poucos dias ao ler minha mão!” A filha ficou pasma, principalmente porque a mãe sempre desdenhava das previsões, que eram mentiras e nada mais. Agora via coincidência entre um fato e outro? Aos doze anos Cleonice estranhou, o modo da mãe tratava sua questão financeira, como se dissesse: “Não seremos favorecidos com grande fortuna, melhor que seja assim.”
        Dona Célia também costumava dizer: “Mais vale um amigo na praça que dinheiro na caixa”. Enquanto Nazária lembrava: “Quem dá aos pobres empresta a Deus”. O dinheiro sempre na cabeça das pessoas, de qualquer classe social – da menos a mais favorecida. A avó, que Cleonice achava uma sábia, às vezes derrapava nos conselhos: “O dinheiro é a mola do mundo”. O mesmo dilema para todos: o dinheiro. Tanto assim que o parente ex-seminarista, um dia sobre a questão fez um discurso na casa de Cleonice: “O excesso ou falta de dinheiro torna-se às vezes causa de muitos males, que tanto podem ser materiais quanto morais” E concluía o sermão fora do púlpito: “Uma fatalidade o dinheiro, coisa de quem tem ou não sorte, e que se deve possuir na medida certa, sem amor por ele, que é um sentimento a ser dedicado às causas nobres, às outras pessoas”. 

        O dinheiro seria mesmo a chave mágica, chave-mestra, que dá acesso a todos os tesouros do mundo? Alguém tinha dito isso, outras pessoas rebatiam, que o conceito de civilidade nunca podia estar abaixo do monetário. O bom senso que se deve ter, e nem todos têm. Por conta do prazer material que o dinheiro possa proporcionar se despreza, agride, os semelhantes. Gente que não se importa em gastar, sem consciência do sacrifício que impõem aos outros. As amizades que dependem muitas vezes do quanto as pessoas guardam no banco, o poder financeiro que se impõe sobre tudo, enquanto a miséria assola o mundo. 
       Padre Arruda pregava aos domingos a parcimônia nos gastos e em tudo o mais: “Ao dinheiro, bem como ao sexo – por excesso ou falta – vem atrelada a miséria humana, o mundo que se transforma numa nova Sodoma e Gomorra, em que é preciso fazer cada vez mais sexo, ter mais dinheiro.” E continuava num crescendo de pessimismo: “Às vezes, quanto ao dinheiro, simplesmente para jogá-lo fora com compra de coisas que nem se precisa. E não raro nos tornamos compulsivos, pessoas há que adoecem quando lhes falta dinheiro para comprar besteira.” Citava, então, o caso da paroquiana que sem dinheiro na mão chegava a ter febre. As pessoas riam, mas tais palavras calavam na alma. Cleonice agora compreendia melhor a mãe, que não se preocupou com o dinheiro perdido, mesmo assim sismava com por ela nunca ficar rica, que a riqueza dela eram os filhos. A filha com mais de ambição que a mãe, e menos que a amiga Paula, de quem recebeu conselho para escolher uma carreira que desse muito dinheiro. Ao longo da vida a filha de dona Célia ciente que só se alcança almejada realização com esforço e bom senso em busca de um bem maior, ter um bom trabalho, constituir uma família. E não apenas ganhar muito dinheiro.

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