segunda-feira, 17 de março de 2014






 Alegres Campos, Verdes Arvoredos
              
                                                        Luís Vaz de Camões






Alegres campos, verdes arvoredos,

 Claras e frescas águas de cristal,

 Que em vós os debuxais ao natural,

 Discorrendo da altura dos rochedos;



Silvestres montes, ásperos penedos,

Compostos em concerto desigual,

Sabei que, sem licença de meu mal,

Já não podeis fazer meus olhos ledos.



E, pois me já não vedes como vistes,

Não me alegrem verduras deleitosas,

Nem águas que correndo alegres vêm.



Semearei em vós lembranças tristes,

Regando-vos com lágrimas saudosas,

E nascerão saudades de meu bem.





Comentário de Murilo Carlos Veras.



Diz Aristóteles que a percepção que naturalmente mais agrada aos homens é o visual, mas a percepção “auditiva”, o saber ouvir e compreender, é que permite melhor alcance das coisas universais e perenes.

O homem facilmente se vislumbra com a grandiosidade e solidez de montes majestosos, com a delicadeza de verduras deleitosas e a rapidez e fluidez de águas cristalinas; ou se atemoriza com a aspereza e inconstância de campos agrestes e rudes penedos.

É da fraqueza de meu eu vacilante que brotam percepções de inconstância, veleidade e superficialidade, são percepções que fazem meus olhos ledos, que se desmancham nas primeiras provações, nas vicissitudes da vida.

É da robustez do nosso eu mais interior que emergem atitudes universais de serenidade, coerência e firmeza.

Por entre a dissipação das coisas sensíveis, superando-as, o nosso ser interior ao poucos carrega e transmite, ainda que entre lágrimas, fontes perenes de fidelidade, persistência, fortaleza e nobreza.

É daí que podereis “ver” as verdadeiras fontes, as autênticas lembranças, de um bem maior que um dia se revelará em frutos de saudade interior e eterna.


Intervenção de Murilo Moreira Veras.  

Este soneto de Luis de Camões é pouco conhecido, nem por isso perde em perfeição e agudeza de espírito, virtudes naturais dos grandes sonetistas e escritores, como, por exemplo Shakespeare, Dante e nosso Raimundo Correa. Tua interpretação está simplesmente impecável, sensível, maravilhosa. Talvez eu não fizesse melhor. Foste ao âmago da mensagem transmitida no soneto, que é a volatilidade do ser, o ser-em-si heideggeriano, onde as coisas são essencializadas, em estado puro, o interior do interior, a grande aventura do estar-no-mundo. Direi mais, porque, na realidade, tua exegese vai mais além, busca o chamado "estado d'alma", tão utilizado pelos poetas, muitas vezes desconhecido pelo leitor apressado, que não  sabe ler "nas entrelinhas", apenas atentando para o léxico superficial das palavras e o que elas linearmente querem dizer. De certo modo, tu procuraste, no teu magnifíco texto, desvelar a alma, na sua plena caminhada pelos desvãos do mundo e da vida. Quando a alma está pura "os campos são alegres, os arvoredos  ficam mais verdes, a água corre cristalina pelos vales", mas é preciso manter a alma, assim, sempre pura, posto que, contaminada, toda essa visão celeste se desfaz, como diz o poeta dos Lusíadas: "semearei em vós lembranças tristes" e depois só fica a saudade representada pelas lágrimas que só a bondade permite contemplar. Este soneto espelha o cristalino da alma, sua imortalidade, a infinitude do ser cósmico.
Parabéns!





Murilo Moreira Veras <cdletras@gmail.com>
17 de março de 2014 15:18
Para: Murilo Veras <veras.murilo@gmail.com>


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