quinta-feira, 7 de novembro de 2019


CONTO




                                   MARIA REVIDA OFENSA


PRAÇA ANTIGA - S.  LUÍS -MA




           Quando Corina chegou de viagem, ficou pasma com o que havia acontecido naquele mês que passou fora da cidade, até uma rua foi aberta, quase atinge seu quintal. Saudosa e sedenta de informação partiu para indagar a vizinhança, começou por Delzilia, mãe de Maria, também motivo de sua preocupação. Maria não foi encontrada em casa, estava finalizando seu costumeiro passeio da tarde, sempre acompanhada com uma ou mais meninas da vizinhança. Já havia percorrido os locais, que lhe permitiam andar, e só podia ir até a pracinha ali perto. Gostava mesmo era do balanço e também procurar trevo de quatro folhas nos canteiros da praça Odorico Mendes.

         Dona Delzília recebeu a visita de Corina, que  de imediato passou a se queixar de uma forte gripe, que havia contraído na estação do trem quando chegou, e já estava no fim, mas aproveitou para desfiar detalhes da atual doença e as muitas outras que sofreu, até quando ainda criancinha. Parecia satisfeita com seus males, companheiros de uma vida, compensação para seus dias de poucas mudanças e quase nenhuma surpresa, até aquele momento. Detestava mudanças e surpresas. Sem mais delongas passou a abordar um assunto delicado, a nova administração da cidade, a cargo de um parente da amiga que visitava. Foi quando Maria entrou esfogueada, depois do passeio a uma temperatura de mais de trinta graus.

         Maria não viu a visitante, passou correndo por ela e foi até a mãe para contar sua satisfação de ter encontrado uma amiga que não via há muito tempo, achando chic Aninha ter ganho uma bicicleta. Corina não perdeu tempo e de pronto repreendeu os maus modos da filha de Delzília, inclusive, seus cabelos soltos, sem as  transas para domar o desalinho. Acontece que Maria ia para a escola com os cabelos transados, mas logo os soltava quando chegava em casa. Coisa que a vizinha não perdoou e chamou a menina de desleixada. Nunca que Maria pensava em ficar tão irada, mas atacou:
       
        — Odeio você, Corina — e desfiou um rosário de queixas, que estavam abafadas, sabendo o quanto era criticada, por aquela figura tosca a sua frente.

         — Onde já se viu um mau gênio desses ?!— exclamou Corina, que não esperava tão brusca contrapartida da sua interferência, que julgava pertinente, mas era de total falta de critério.

         Depois daquelas palavras desaforadas, para não ser vista chorando, Maria saiu correndo da sala. Encontrou o gato da casa no corredor, que ao vê-la miou sem parar, como em solidariedade. Enquanto na sala Corina continuava seu sermão:

        —  Delzília, você devia ter criticado sua filha pela triste aparência, o que hoje em dia é tudo numa moça.

       — Não acho que a aparência seja tudo, Corina!

      — Vejo que doravante terei de tomar cuidado com o que digo para certas pessoas, que a gente pensa que conhece, mas, na verdade, desconhece. Você pode ter problema com essa criança quando crescer, se não educá-la para domar seu gênio e respeitar os mais velhos. Mas estou aqui hoje para pedir solidariedade contra a prefeitura que anda cortando as terras particulares, dando prejuízo aos proprietários. Quase tiram um pedaço do meu terreno.

      — Antes de tudo, digo que minha filha é estudiosa, solícita, amiga, respeitosa, tem todas as boas qualidades de uma menina de sua idade. E não é desleixada, não senhora. Ela revidou com razão seus maus bofes, que hoje se superaram. Quanto a sua queixa da prefeitura talvez seja pertinente, o que não possa avaliar. Mas se há real necessidade, e contrapartida financeira, ceder parte do que nos pertence para o bem da comunidade dá dignidade à pessoa, você não acha, Corina? 

        Sem obter resposta, e com a partida da vizinha, Delzilia tratou de falar com a filha sobre a desagradável ocorrência daquela tarde. Compreendia sua reação diante da falta de tato de Corina, mas Maria, havia agido errado ao revidar com toda aquela raiva. E o que a filha devia fazer era perdoar a ofensa, e, na primeira oportunidade, pedir desculpa, como manda a caridade cristã. Foi o combinada entre as duas, muito embora Maria não estivesse muito afim de ter que se humilhar para uma pessoa tão afrontosa.
     


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