terça-feira, 12 de novembro de 2019


conto





                           UMA VISITA, 
                   UMA REVELAÇÃO,
                   UMA CONFISSÃO




FAMÍLIA DE CORUJAS -TRABALHO ARTESANAL DE 1987



Você aprendeu latim na escola, Inez? - Perguntou Maria à prima, que estava de visita em sua casa.

— Ora, veja só, não — foi a resposta de Inez, que já havia concluído a faculdade de serviço social no interior, e não se lembrava mais de ter estudado latim. A volta do latim em contraponto às mudanças no ensino.

— Queria que alguém me ajudasse nessa matéria. Não consigo atingir uma nota média no idioma, base do português. Sou tão burra, Inez, preciso com urgência de um professor particular. Agora que o fim do ano se aproxima tenho que correr contra o tempo. Uma amiga indicou-me uma boa professora, que a ajudou na mesma dificuldade. Vou falar com minha mãe, quando ela chegar do serviço. Ainda há necessidade do latim, uma língua morta, mesmo co as mudanças no ensino, que chegam a galope na esteira da tecnologia. O computador fonte inesgotável de conhecimento a um simples toque no teclado. A internet hoje informa sobre todo o conhecimento, enquanto  as redes sociais nos conecta com o mundo todo, não é mesmo? 

— Tenho certeza que você vai sair dessa dificuldade nos estudos, Maria. Antes, queria contar-lhe a novidade, mas se reparou no anel e sentiu meu ar de felicidade, entendeu tudo, que acabei de ficar noiva? Estou feliz, mesmo que meu futuro marido seja viúvo, com dois filhos menores. Já completei trinta anos, por sinal a idade ideal para casar, e vamos ter um médico na família. Ele tem um blog na internet, e já me iniciou nos segredos da conexão através das das redes sociais. Hoje é como me relaciono socialmente.

Maria largou prontamente os livros sobre a mesa e abraçou a prima pela mudança em sua vida, desejando-lhe um belo futuro ao lado da pessoa amada. Prontificou a ser sua madrinha de casamento, morria de desejo de ser madrinha, era a oportunidade. E  mais, pediu que a prima não esquecesse de convidá-la para batizar um dos seus filhos.

— Sem problema, já está convidada. Só espero poder satisfazer seu desejo de batizar um filho meu, mas não é o que planejo para o presente momento. Já tenho sobrinhos, que eu amo como filhos...

Dona Cibele, mãe de Maria, chegou da rua com as compras, e pediu para a sobrinha ajudá-la a guardar no armário da cozinha. Quis que a filha as acompanhasse, afinal, não era sempre que viam a parenta, deviam aproveitar a convivência, mesmo que rápida. Inez só viera à capital para uma consulta médica, já estava voltando, depois de passar o dia na casa dos parentes, que sempre a acolhia com carinho.

— Enquanto preparo o jantar, Inez, podemos conversar, estou sedenta por saber das novidades. Sua mãe morou aqui em casa quando éramos estudantes, e ficamos amigas, sempre nos falávamos por telefone, mas faz algum tempo que não acontece. Lembro que meu irmão tinha um amigo que nutria uma paixonite por ela, mas no interior alguém aguardava por ela, com quem casou, ambas as famílias de comerciantes e com um famoso artesão. Hoje seu pai é prefeito na cidade onde nasceu e se criou, sua mãe também. O partido conservador a que pertencemos ganhou as eleições para presidente, depois de alguns anos sob o regime de esquerda, que tentou desestabilizar a sociedade, com ideologias absurdas. Religião e política institucionalmente separadas, mas unidas naquilo que é essencial para a sociedade seguir por um caminho correto.  E vocês, meninas, o que dizem de tudo isso?

— Veja você, tia Cibele, ninguém mais se fala por telefone, é através de e-mail, Maria sabe disso e deve ajudar a senhora a se conectar, vale a pena. Mesmo nos canfundós mantenho-me conectada com o mundo e as pessoas em particular, através das redes sociais. É uma maneira de exercer a compaixão e a solidariedade, mesmo que seja de forma virtual. Mas não é bem assim, somos estimulados a participar efetivamente do mundo à nossa volta, até mais da conta. Quanto à política, venho de famílias conservadoras que eu muito admiro e penso que a melhor forma de sociedade democrática tem que ser nos moldes sociais conservadores para ser bem sucedida. “As experiências em contrário deram em merda”, diz meu pai, e eu acredito.  

Maria compartilhava as mesmas ideias com a mãe e a prima. Só que tinha em mente não ser apenas um adorno na sociedade, ia batalhar para ter vez e voz. Foi o que declarou. Menos de uma hora e a família já estava reunida na mesa do jantar, com a presença do pai e do filho mais velho. Comeram e conversaram alegremente, o que fez Inez sentir o quanto era bom contar com espíritos afins, não muito fácil de acontecer, mesmo entre pessoas do mesmo sangue. Só podia achar aquele momento esplêndido, o que declarou aos presentes. O mesmo sentimento tinha Maria. Seu Josias resolveu fazer um rápido discurso:

- Que bom estarmos vivos nesse momento, e se há dificuldades é para serem superadas com sabedoria. Parece que é mais bonita a vida lá fora, mas nosso país tem possibilidade de se firmar como uma potência, não apenas em bens materiais, extraídos da terra, mas por seus avanços sociais, por sua moral cristã. A estrada aqui é quente e poeirenta, mas meu sentimento é de que vale a pena trilhá-la. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário