terça-feira, 26 de novembro de 2019


CONTO




             A HERANÇA DE LUÍZA





A mãe de Luíza e seu pai costumam conversar em família, e ao notarem certa ansiedade na filha, que ia completar quinze anos, iniciaram um diálogo esclarecedor. A mãe foi quem primeiro falou: 

—É bom que nunca te percas de vista, filha, que os bens que possuímos nos chegam por nosso trabalho, além da herança que recebemos e deve ser preservada. Somos herdeiros de Deus, que investiu seu poder divino ao criar o ser humano, assim como a natureza, que investe muito em nós, fornecendo o alimento de que precisamos. Tem ainda nossa herança cultural,  além da que recebemos de nossos pais através da genética. E como é triste sermos, em vez de herdeiros e sucessores, gastadores e perdedores. Sempre perdemos quando agimos com desperdício. Perdemos nós mesmos em particular e também coletivamente, assim como perde a natureza. Quantos   jatinhos que chegam para as festas!...

Logo a seguir o pai deu seu aparte:

—E tem mais, filha, não podemos considerar direito nosso apossar-nos dos bens existentes para desperdiçar. Nada é exclusivamente nosso, sequer os pensamentos. Se pensamos, temos prova da própria existência, mas através das experiências pessoais e do aprendizado, com que evoluímos e somos quem somos. Em contrapartida ao que recebemos   temos que fazer por merecer, o que não acontece na atualidade. Deixamos de investir em nós mesmos, e nos tornamos pobres de espírito, fragmentados. A humanidade de tanto que esbanja energia anda cansada, é o que acho.

 A filha ao lado escuta. Agora sua mãe estava com a palavra:

—Filha, com uma linda valsa sua mãe iniciou sua vida social, i quando participei de uma linda festa, sem grandes gastos, simplesmente para que os jovens presentes, aprendessem a dançar conforme a música. O ritmo é o da vida, da civilidade, que tem o poder de levar adiante os melhores ideais, que não nos deixam retroceder, mas  avançar,  em lealdade e amor. Do contrário seremos simples gastadores, e até manipuladores dos bens herdados. Nunca devemos perder-nos na violência e na vaidade, e desistirmos de ser quem somos de verdade. Se há tristezas, há também alegrias que nos confortam a alma. A alegria da fé em Deus, da confiança na sociedade a que pertencemos. Que assim seja. Amém!

Sentindo que era hora de falar, Luíza manifesta-se:

—Queridos pais, sou bem jovem ainda, mas já aprendi que o ser relapso e irresponsável, que não cuida de sua vida, até desiste de si mesmo, é um fracasso. Como outros jovens, sinto que os mais velhos estão cansados, e nós, os mais jovens, desencorajados. Para nosso bem e também para nosso mal, temos uma herança, e o que não devemos é ficar engessados. Nossa mente é plástica, dinâmica e mutável, que pode adaptar-se, modificar-se, recompor-se, indefinidamente, até a morte. Tenho no momento um dilema, sim, como comemorar essa minha idade tão linda. Sei que minha família tem recursos, e como sou filha única, podia esnobar, o que não diz respeito a nossa tradição familiar, de sobriedade. Mas nesse mundo em que vivemos, ou se faz uma festa de arromba, por pura ostentação, ou periga ninguém comparecer. Assim já decidi que basta uma missa de agradecimento pelos bens recebidos e um jantar para os familiares e alguns amigos, nada que favoreça a vaidade, nem para agradar quem quer que seja.

O pai conclui a conversa daquele dia:

— O mundo precisa de ti, minha filha, nunca te esqueças disso! O Senhor tem necessidade de pessoas, que sirvam de exemplo a tantos que perdem a esperança e precisam de coragem para prosseguir sua caminhada com mais amor e confiança. E o que tens de fazer, Luíza? Segue tua fé e tua consciência, a maior herança!


NOTA: Dedico este conto a minha sobrinha-neta, Luíza, que completará quinze anos no próximo mês. 

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