sábado, 9 de janeiro de 2021

  

FICÇÃO

                            SOMOS ETERNOS

 


Depois da missa, ainda descendo os degraus da igreja, Rosinha demonstrou pressa em falar sobre a homilia do padre com Maria e as irmãs, Célia e Ana Maria. Há falta de fé no mundo atual:

— Não sei se concordam comigo, mas tempos atrás as pessoas se sentiam abençoados por viver, hoje se acham  condenadas à sobrevivência, mesmo com o alegado progresso. O que aconteceu? Nós que mudamos, ou foi o mundo que mudou?

Célia respondeu de pronto:

Mudamos nós, assim como também mudamos o mundo em que vivemos. As mudanças, hoje, nem sempre boas, como deve ser, ou seja, leais para com o ser humano, dentro da perspectiva cristã. Assusta o que acontece com o mundo, parece se encaminhar para um triste fim, e sem mérito algum.

Ana Maria deu seu aparte:

— Mesmo que muitos tenham  lutado por uma vida digna de ser vivida, o pior de nós parece ensejar vencer nosso melhor. A luta cotidiana pela sobrevivência no passado tinha o amparo da vida espiritual. Hoje, desamparados espiritualmente, o futuro é uma incógnita.

As quatro amigas haviam parado na calçada para darem continuidade à conversa. Maria esperou para falar,  tinha uma opinião formada:

 — O tempo vai nos mostrar o resultado das sementes que plantamos, se deixamos brotar o mal e relegamos ao esquecimento as sementes do bem.  

As três confirmaram, mas Célia queria dizer algo mais:

Os cristãos sonham com a eternidade, mas prospera a descrença,  fomentadora das mazelas existentes. A vida fugaz de hoje a nos testar se vale a pena lutar por ela.

Ana Maria tem esperança:

Ainda credito que somos eternos. Mas se abandonada de vez a esperança, que manteve a humanidade de pé até aqui, o que resta?

Maria volta a falar:

—Decaída como está a vida humana, pensam os pessimistas em dar um fim a tudo.

Rosinha dá seu aparte final:

Resistem os esperançosos, que acreditam valer a pena lutar pela vida e clamar pela misericórdia de Deus.    

 

VERMEER                               

                       MULHER DA BALANÇA

 


 

                    Johanes de Vermeer (1632-1675) viveu numa Delft renascentista e decadente, onde pintou suas obras primas do barroco alegórico, que faz parte da extraordinária pintura holandesa no século XVII. O mundo cristão no Ocidente dividido entre católicos e protestantes após a Reforma de Lutero, quando os dogmas do catolicismo foram rejeitados pelos protestantes, que também se voltaram contra a estética da deslumbrante capela Sistina, ápice da perfeição artística. O quadro A Mulher da Balança sugere equilíbrio, a figura feminina tem o olhar tranquilo e postura digna, mas não resta dúvida que se equilibra entre o paganismo e o cristianismo. Daí o pintor reformista colocar por trás dessa mulher a tela do Juízo Final. A mulher pesa na balança sua riqueza material, conquanto permaneça sua aura espiritual. A vida em Delft, como em Delfo, Tebas e Argo, oscila entre o dionisíaco e o apolíneo, na corda bamba do órfico encantamento. No chamado Grande Século, a experiência de vida beira o excepcional, assim como também excepcional é o nosso agitado e permissivo medievalismo contemporâneo, ateu e materialista, grandemente supersticioso. A igreja em sobressaltos. Diz Aristóteles que há personagens que perseguem um fim nobre e outras de “mímese inferior”. O catolicismo contra-reformista desdobrado em três modelos: o jesuitismo das Missões; o misticismo, que envolve algumas poucas ordens religiosas, e o jansenismo, embebido de calvinismo, contra a mística. O mundo reformado dá início à vida moderna, temática dos quadros de Vermeer.

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