segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

 

 

 

                                    A  CASA

 

 SUPER QUADRA DE BRASÍLIA

 

Em tempo de pandemia a primeira providência para evitar a propagação do vírus é ficar em casa, ou sair o menos possível, principalmente, fugir das aglomerações, mesmo agora com o início da vacinação. Entristece tantas mortes no Brasil e no mundo todo. Maria descobriu com a quarentena que o melhor lugar do mundo, o mais benéfico, é o recinto do lar. O cotidiano bem aproveitado dá excelentes frutos.

Como se consultasse o mapa do tesouro Maria anda pela casa, o percurso curto da cozinha à sala de visita, ao quarto de dormir, e aos outros quartos, um transformados em local de criação literária, o outro em de sala de TV. A riqueza das coisas que a cercam, bens de valores sentimentais, em especial, o pequeno santuário, logo na entrada. Dois móveis novos na sala e os sofás com capas brancas para harmonizar melhor o ambiente, conselho da irmã, tudo para saudar sua entrada na oitava década de vida. Olha tudo com prazer, e imagina que poderia estar em Funchal, quase compra um apartamento naquele famoso balneário português, oferta de um refugiado da revolução dos cravos. Fala para si mesma: “E eu aqui prazerosamente a despejar palavras na tela do computador”. A emoção é diária, como o pão de cada dia.

Com tempo e disposição para refletir, Maria sente prazer de estar consigo mesma. E tudo tem seu tempo, os anos se acumulam: cinquenta, sessenta, setenta e os oitenta anos com uma épica dentro da normalidade, sem um amor avassalador que transcenda a razão, nos moldes das heroínas da literatura, ou das santas da igreja. Nada melhor que estar posta em sossego no seu lugar. Resignada, sim, que falem seja o que for sobre sua pessoa, até pensem que já esteja morta e enterrada, afinal é certa a visita da dama misteriosa, que não avisa, mas é certo que chega.

Na cozinha Maria se sente rainha e não gata borralheira. Rainha, sim, conforme disseram um professor de inglês e um chofer de praça ao vê-la, ainda bem jovem. Tantos os bons augúrios que lhe foram dados. Teria correspondido? Em parte, sim, ela pensa e se emociona. Sem vazios a preencher, está grata pelos sobressaltos dos momentos felizes, também agradecida aos solavancos que a fizeram crescer. Tudo se organiza, ou até mesmo se desorganiza para que se chegue a algum lugar. Viveu um tempo abençoado, e ainda vive, satisfeita com o que lhe coube. Aguarda o prazo final dado por Deus, e que não ocorra tão depressa, ainda haja tempo de sobra para ser feliz.

Se a vida é um jogo ou um teatro, como costumam dizer, Maria não saberia dizer qual o cenário mais significativo da sua vida, nem especificar quais apostas ganhou ou deixou de ganhar, tudo foi prêmio. Mas acredita mesmo é que a vida é uma jornada, e se possa dar e receber amor, além das palavras que se distribuam como gotas de orvalho na manhã.    

 

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